23/10/2008

Saliva no umbigo

Foi ela que telefonou. Quero que fique bem claro este ponto. Não fui eu que a convidei para jantar, nem fui eu que falei na serra da estrela, de um restaurante e uma cabana, e na costa vicentina. Confesso que pensei em ligar-lhe, dizer-lhe qualquer coisa, mas à primeira vista ela parecia inatingível. No entanto ela ligou (continuam a acontecer-me coisas inacreditáveis no que concerne ao amor. Penso que já tive esta sensação três ou quatro vezes. Não é mau!) e com um telefonema veio um jantar, ou melhor, aquilo que seria um jantar. Na realidade estivemos nas ruínas de um castelo a conhecermo-nos melhor. Ela pediu para me beijar, fizemo-lo e depois continuámos nisso até casa dela. Com o primeiro beijo as primeiras dúvidas, desde logo minhas porque é costume duvidar daquilo que não conheço, e as dela, porque sentia as minhas. Não consigo evitar apaixonar-me pelo que já conheço e não pelo que quero conhecer. Há quem pense que é bom ou mau. Para mim tanto me faz. Pouco tempo depois veio a minha viagem, uma ausência anunciada que começou connosco no carro numa dificuldade enorme para nos despedirmos e largarmos. Ela disse que ia sentir muitas saudades e não mentiu. Sentiu. Por lá recebi a notícia que ela estava com dor de dentes e maus pensamentos - concerteza relacionados - mas que sentia muito a minha falta e que estava aborrecida por eu não lhe responder com a assiduidade pretendida. Teriam passado dois dias. No regresso o fim. Do lado dela as dúvidas que se tornaram um argumento irreversível, do meu as mensagens que ela não recebeu, várias, suficientes para atenuarem a dúvida crescente, mas que nunca foram recebidas sabe-se lá pela graça de que força; as recordações da viagem em forma de um caderno de esboços, um postal e um anel que não foram entregues e as promessas de uma certeza descoberta pela ausência. Apenas ficou o afastamento simples e inócuo, como eu. Só quando perco o que tenho é que lhe sinto a falta.


(João Freire)


Air - All i need



Recordado para o tema "Paixão" num desafio da "Fábrica de Letras"

20 comentários:

ipsis verbis disse...

"Só quando perco o que tenho é que lhe sinto a falta."

Não somos todos assim?

Johnny disse...

Não.

Preferia ser como aqueles que pensam assim, tipo:

"O Rover está sempre parado, é a Gasolina, já é velhote, gasta dinheiro em IUC, em inspecções e seguro, por isso vendê-lo foi uma boa decisão"

E não assim:

"O Rover está sempre parado, é a Gasolina, já é velhote, gasta dinheiro em IUC, em inspecções e seguro, por isso vendê-lo foi uma boa decisão, MAS..."

E três letras fazem muita diferença.

Anónimo disse...

"Saliva no umbigo"....profundo!mas siceramente nao consigo encontrar ligação com a historia:)

Johnny disse...

É um jogo que eu faço com a minha memória da história, algo que só faz sentido para os participantes na história... um momento que ficou e que liga o resto, nem que seja só na minha cabeça.

Por entre o luar disse...

=) interessante... será que só damos meso valor quando perdemos??

Beijo*

Johnny disse...

não sei se só daremos valor quando perdemos, mas que damos MAIS valor... falo por mim quando digo com toda a certeza que sim.

Su m disse...

Eu também já pensei que "Só quando perco o que tenho é que lhe sinto a falta."´... mas deixei de acreditar nisso. Porque agora obrigo-me a dar valor ao que tenho...
claro que tudo tem o seu reverso da medalha...

mz disse...

Eu também fiquei curiosa com o título, mas afinal, NADA!!!

Johnny, tu andas a ler as nossas paixões arrebatadoras, cheias de pormenores escaldantes e tu não abres os jogo.
:)

Johnny disse...

Su, claro que há o reverso e até podemos achar que sentimos a falta, mas quando voltamos a ter voltamos a sentir o porquê de não ter resultado... as paixões tornam o ser-humano num animal muito estranho e até contraditório.

MZ, se eu te explicasse tu ias perder o respeito que tens (tens?) por mim. Um cavalheiro nunca conta. Fica só nos traços gerais, sem fazer juizos de valor... ou prestação ou o que quer que seja. Ninguém tem o direito de violar a privacidades das pessoas... nem mesmo eu!

Ginger disse...

E o texto tem a ver com...?
You can't do this! Excuse meee! O_o

Johnny disse...

Ginginha, tem a ver com o inicio da paixão e com o fim da mesma... as merdas do costume.

Anónimo disse...

E é sempre assim...quando perdemos algo, seja o que for, é que o valorizamos.

Eu acho que a distância, a distância física real e prolongada, é muitas vezes inimiga do amor.

Johnny disse...

Sim Hyndra, acho que concordo com essa coisa da distância ser inimiga do amor... embora às vezes a distância também sirva de desculpa para a falta de amor...

palavrasloucas disse...

Não poderia também ser assim:
"O Rover está sempre parado, é a Gasolina, já é velhote, gasta dinheiro em IUC, em inspecções e seguro, por isso vendê-lo foi...foi... oh meu Deus! Acho melhor ir buscá-lo de volta!"

Claro na esperança de que ainda esteja no stand...se já tiver novo proprietário... é rezar para ainda não esteja muito apaixonado pelo carro... ou o carro pelo novo dono!

Parece-me que estou para aqui a complicar muito esta cena toda...

Johnny disse...

palavrasloucas, reparei agora que há outro factor a ter em conta: o que vem depois do Rover, ou seja, nestas coisas, de carros e de amores, depende muito do que vem a seguir... no meu caso... até porque ainda vou vendo o Rover e desfrutando dele ;), achjo que não há esse "oh meu Deus! Acho melhor ir buscá-lo de volta", até orque começo a achar que nestas coias não há que correr atrás do que não quer ser apanhado... (e nos atirou fora) ou do que atirámos fora... e não devemos apanhar de novo!

Obrigado pelos comentários.

palavrasloucas disse...

Concordo plenamente contigo!
muitas vezes atiramos fora, não devemos apanhar de novo... mas muitas vezes até queremos!!! Só que por mil e um motivos, entre eles o orgulho, acabamos por perder...
Ou não... pode simplesmente não valer a pena!

palavrasloucas disse...

Concordo plenamente contigo!
muitas vezes atiramos fora, não devemos apanhar de novo... mas muitas vezes até queremos!!! Só que por mil e um motivos, entre eles o orgulho, acabamos por perder...
Ou não... pode simplesmente não valer a pena!

palavrasloucas disse...

Vais certamente gostar da Célia Cruz que é a Rainha da Salsa cubana... se tiveres oportunidade de ouvir DLG "la quiero a morir"... acho que se enquadra no teu post!

Johnny disse...

Da Célia gosto, claro, mas dos outros... têm muita pinta para eu gostar deles :)

palavrasloucas disse...

iiiiiiiiiiiiiii, só agora reparei que o meu último comentário não era para este post, mas para o outro do dia 13 de Maio... esse sim tinha a ver com Cuba.
Como comentei os dois praticamente ao mesmo tempo... deu nisto.