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20/10/2009



Um grupo de bloggers junta-se e escreve sobre um tema. Parece interessante.

06/01/2009

Cântico Negro

Somos todos iguais, cada vez me convenço mais disso. Nada em nós ou no nosso comportamento conseguirá ser minimamente original. Talvez um pé na areia inexplorada... Todos olhamos para dentro com uma visão optimista que redundará no pouco ou no nada. Também nós vamos fracassar. Como não poderíamos fracassar, ainda que bem sucedidos, quando a míriade de possibilidades que se desenrolam à nossa frente desde o dia do nosso nascimento é irreal? Apenas podemos tentar e, mais que não seja, imaginar que, num belo poema, nós não somos aqueles que chamam os outros para um caminho mais fácil e confortável, mas sim o outro que, apesar das dúvidas relativas ao seu destino, tem a certeza que não vai por lá, pelo caminho mais fácil por onde o chamam.
E é assim que, num dia de estranha e inexplicável melancolia, recordo o MEU poema:





"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!Eu amo o
Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio

05/11/2008

Forty Acres



Out of the turmoil emerges one emblem, an engraving
a young Negro at dawn in straw hat and overalls,
an emblem of impossible prophecy, a crowd
dividing like the furrow which a mule has ploughed,
parting for their president: a field of snow-fleckedcotton
forty acres wide, of crows with predictable omens
that the young ploughman ignores for his unforgotten
cotton-haired ancestors, while lined on one branch,
is
a tense court of bespectacled owls and, on the field's
receding rim a gesticulating scarecrow stamping with rage at him.

The small plough continues on this lined page
beyond the moaning ground, the lynching tree, the tornado's
black vengeance, and the young ploughman feels the change in his veins,
heart, muscles, tendons, till the land lies open like a flag as dawn's sure
light streaks the field and furrows wait for the sower.



(poema para Barack Obama pelo Nobel da Literatura
Derek Walcott no Times online)

Para fora do tumulto emerge um emblema, uma gravura
um jovem Negro ao amanhecer de chapéu de palha e jardineiras,
um emblema profético impossível, uma multidão dividida
como o sulco que uma mula lavrou,
fazendo nascer o seu presidente: um campo de neve-pontilhado de algodão
numa extensão de quarenta hectares, de corvos com presságios previsíveis
que o lavrador jovem ignora para os seus inesquecíveis
antepassados de cabelo de algodão, enquanto que alinhada num ramo,
está uma tensa corte de corujas de óculos e,
na borda do campo um espantalho gesticula revelando-lhe a sua raiva.

O arado pequeno continua nesta página pautada
para lá da terra que geme, a árvore cortada, vingança negra
do tornado, e o jovem lavrador sente a mudança nas suas veias,
coração, músculos, tendões, até que a terra se abre como uma bandeira
como a luz do amanhecer que toca no campo e os sulcos esperam pelo semeador.

25/08/2008

Liverpool

Empty hands search magic hats to discover who they were
Echoes from the past reverb on the dusty walls of imagination
It’s you again, always you and that mischief eyes
What can I do to stop the regret of discovering?
The newness that I don’t live, I left it in the pass along with a wonderful possibility
It’s this faith that ruins everything.
Life is water in a sense
- as much liquid and softness it can adhere
in the blue wool that covers the nude bodies of our lust -
Beside me stands a river of gold
Do you feel like swimming?
I’m always one step aside trying to get in, trying to be a part.
Always trying…
Maybe next time.

(João Freire)

04/05/2008

Fernando Pessoa - II

Eu amo tudo o que foi...
tudo o que já não é.
A dor que já me não dói,
A antiga e errónea fé...
O ontem que a dor deixou
e o que deixou a alegria.
Só porque foi e voou...
e hoje é já outro dia!

(Fernando Pessoa)

13/05/2007

Isto

Isto, no limite…
um corpo, um luar…
um espaço aberto!

Eu, só, perdido,
Desfaço-me de tudo
E dispo-me até ao essencial:
Um corpo, um luar,
Um espaço aberto.

(João Freire)

29/04/2007

Tempo

às vezes são os cheiros...e a música...
as fotografias, slides e vídeos caseiros.
cassetes áudio com as primeiras palavras...
a roupa.
aquelas folhas secas, que antes eram de outra cor, no meio de páginas de livros, cadernos e álbuns.
os jornais e revistas.
.
e as minhas mãos aparecem ao mudar a página.
dou por mim em frente ao espelho.
agora apagam-se as bicicletas.
apagam-se as tardes que eram mais longas.
apagam-se primos e amigos.
apagam-se os irmãos e os pais.
apagam-se cheiros, músicas...TUDO!
à excepção do reflexo à minha frente.
imóvel, gasto e que continua a mudar...



lúcia freire

Às vezes

Às vezes bastam pequenas coisas.
Da alegria à tristeza… do desespero psicótico à simples e infantil euforia.
A curva do teu sorriso, a ondulação dos teus lábios onde eu me afundo calma e alegremente. Penso no afrouxar dos teus olhos quando se preparam para me dar um beijo, carinho, companhia… Amor. Penso em ti e isso basta-me.
Sem ti não conseguia. Sem ti era difícil. Sozinhos não somos nada.
Um grão de areia só é areia no meio de milhares, de milhões.
Sozinho é uma pedra, uma grande, tosca e cinzenta pedra.
Sozinho sou uma pedra.

João Freire
(15 de Junho de 2004)

Some people

some people never go crazy.
me, sometimes I'll lie down behind the couch
for 3 or 4 days.
they'll find me there.
-it's Cherub, they'll say, and
they pour wine down my throat
rub my chest
sprinkle me with oils.


"some people"
(charles bukowski)

Poema em linha recta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómodo às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas finaceiras, pedindo emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nuca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me contasse que uma vez foi vil?
Ó príncipes,meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amada,
Podem ter sido traídos - mas rídiculos nunca!
E eu, que tenho sido redículo sem ter sido trído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Para o tema de Junho de 2011, subordinado ao tema "Os problemas resolvem-se à chapada" , num desafio da "Fábrica de Letras".

Right where it belongs

See the animal in his cage that you built,
Are you sure what side you're on?
Better not look him too closely in the eye,
Are you sure what side of the glass you are on?

See the safety of the life you have built,
Everything where it belongs
Feel the hollowness inside of your heart,
And it's all... right where it belongs

What if everything around you,
Isn't quite as it seems?
What if all the world you think you know,
Is an elaborate dream?

And if you look at your reflection,
Is it all you want it to be?
What if you could look right through the cracks,
Would you find yourself... find yourself afraid to see?

What if all the world's inside of your head?
Just creations of your own
Your devils and your gods all the living and the dead
And you're really all alone

You can live in this illusion,
You can choose to believe.
You keep looking but you can't find the woods,
While you're hiding in the trees

What if everything around you,
Isn't quite as it seems?
What if all the world you used to know,
Is an elaborate dream?

And if you look at your reflection,
Is it all you want it to be?
What if you could look right through the cracks,
Would you find yourself... find yourself afraid to see?

Poesia Difusa

Billy collins - Animated poetry





Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...

Mário de Sá-Carneiro