16/04/2008

Equilibro

"Há dias em que tudo corre bem. Tenho medo desses dias, pois a última vez que pensei que era feliz foi quando uma parte do meu mundo se desmoronou. Sim, comecei a morrer no dia em que afirmei em voz alta que era feliz. Às vezes tudo parece descarrilar, passando de um sabor muito doce que nos aquece por dentro e nos faz sentir bem a outra coisa qualquer… desconfortável e fria, como uma constipação inconveniente. Convém manter um certo nível de insatisfação na nossa vida, contrariar a inveja. Afinal, não se pode desafiar o destino. Ouço-me a dizer frequentemente estas palavras: “Hoje não foi um dia bom” e tenho interiorizado em mim este pessimismo que me conforta. "

in excertos no telemóvel


Há qualquer coisa de maquiavélico na organização deste mundo. Falo deste porque é este que conheço, mas presumo que todos os outros se encontrarão face ao mesmo problema. Há quem diga que tudo no cosmos tende para o equilíbrio (a própria palavra cosmos deriva do gregos Kosmos que significará harmonia), que há sempre uma força oposta a toda a força que existe e que é da tensão entre essas forças contrárias que emerge o equilíbrio. É, aliás, fácil ver exemplos concretos dessa realidade bipartida e não interessará dissecar esses exemplos na medida em que todos os temos presentes. O que interessa sim, pelo menos para mim, neste momento, é a forma como esse equilíbrio se processa. Existem várias, chamemos-lhes, formas de encarar esta síntese hegeliana da vida, formas essas nas quais as nossas acções e talvez pensamentos passados fazem parte de uma parcela numa conta de somar com o resultado de zero. A religião, desde logo, apresenta-se como uma das responsáveis máximas na contribuição teórica para o equilíbrio na natureza, apontando o céu e o inferno, nas suas mais variadas formas, como metas na morte para o nosso comportamento, mas enrodilhando a vida com castigos e recompensas para os pecados ou virtudes terrenos. É entre estes máximos contrários que vivemos. Mas claro que também podemos falar da política. Tudo na política é aos pares. De facto, desde a luta de classes à direita e esquerda do espectro, tudo na política visa o confronto de contrários como forma de encontrar o socialismo, a igualdade, ou, mais correctamente, a utopia. Mas é nas coisas mundanas, na rotina individual e social que nós encontramos exemplos mais evidentes dessa luta tétrica de contrários. Falo por mim quando digo que a cada episódio positivo da minha vida se segues inevitavelmente um episódio negativo ou, no mínimo, a lembrança de que tal facto não é tão positivo quanto pensava – o que é deprimente – e logo anti-positivista e, logo, negativo. Identifiquei este fenómeno como o efeito “Titanic”, esse mesmo, o barco, pois foi no dia em que foi considerado inafundável que se afundou no meio do atlântico. Mas sendo assim, se a cada acção ou consequência positiva se segue uma negativa, porque é que não acontece ao contrário. E é precisamente aqui que eu quero chegar, ou seja, ao ponto por onde comecei, que é o do carácter maquiavélico desse equilíbrio. Como eu referi, costuma suceder um episódio negativo a um positivo muito mais do que um positivo a um negativo. Talvez seja da perspectiva, admito fortemente que assim seja, mas um dia destes comecei a deitar contas de cabeça e cheguei facilmente à conclusão de que em todo o nosso mundo (mais uma vez, falo só do mundo que conheço) há um défice enorme na tal conta de somar do universo que eu referi, um crédito que assenta na parte negativa da natureza, na infelicidade humana. È certo que as contas que fiz podem estar erradas, é certo também que as correntes de pensamento de que falei e outras que omiti fazem a apologia daquilo que se pode referir em sentido mais abrangente de Karma, como uma recompensa por serviços prestados. E eu admito que poderá haver uma recompensa numa vida seguinte, que poderá haver uma recompensa numa vida na morte e poderá inclusivamente haver uma recompensa nesta mesma vida, mas, para mim, aquilo a que chamam equilíbrio não será mais do que a natureza a medir forças connosco, a provar que é mais forte do que nós e não me parece que esteja enganada. Esse é o fim que ela pretende. Mas e daí, como não sou muito de branco ou preto, aposto num conceito que fica entre o pessimismo e o optimismo, refastelando-me no cinismo do meu cepticismo enquanto espero, como já espero há anos, que aprenda mais, que conheça mais e que finalmente se faça luz sobre o que é afinal esse equilíbrio para mim.

(João Freire)

2 comentários:

ipsis verbis disse...

"Falo por mim quando digo que a cada episódio positivo da minha vida se segues inevitavelmente um episódio negativo ou, no mínimo, a lembrança de que tal facto não é tão positivo quanto pensava – o que é deprimente – e logo anti-positivista e, logo, negativo. Identifiquei este fenómeno como o fenómeno “Titanic”"

Quando dizes "fenómeno Titanic", não ficará mais correcto, apesar de ambas as palavras estarem de acordo com os antónimos; causa/consequência; positivo/negativo; bom/mau, "efeito"?

Criaste uma teoria. Perfeito.
Fenómeno Titanic ou Efeito Titanic - Fantástico. É exactamente isso!

Johnny disse...

Já mudei. Fica efeito.