20/01/2009

Uma história de amor incrível

Ela, Linda Riss, era bonita e inteligente, ele, Burton Pugash, era advogado, conhecia muita gente famosa e até tinha um avião. Apaixonaram-se e viveram momentos fantásticos. Depois Linda descobriu que Burt – era assim que ela o tratava –, para além de tudo o resto, era também casado com Francine Rifkin. Ele pediu-lhe desculpa, disse até que ia divorciar-se e tempos depois mostrou-lhe o papel que comprovava o fim do casamento. Ela aceitou-o de volta, não deixando no entanto de desconfiar, o que a fez retirar o número do documento a fim de confirmar o tal desfecho matrimonial. Em boa hora tomou essa decisão, descobrindo que o documento havia sido falsificado. As mentiras acumulavam-se. Mais ou menos por essa altura, Linda recebe um telefonema de Francine que lhe diz que sabe de tudo o que o marido faz mas que não se importa e que nunca lhe há-de dar o divórcio. Linda não aguenta mais e afasta-se para a Florida, onde começa uma relação com um elegante jovem, Larry Schwartz, que a faz esquecer do seu passado turbulento. Mas Burt não descansa, continuando a mandar mensagens para Linda de teor diverso, ora narrando o seu amor incondicional ou ameaçando-a de morte. Burt era assim, diriam alguns, afinal, tinha sido ele a levar Lisa a um médico para comprovar se ela ainda seria, como lhe afirmava, virgem. Era. E foi este homem insano que Lisa e Larry encontraram à sua espera no alpendre de casa dos pais de Lisa. Diz o próprio Burt que nesse dia tinha uma pistola no bolso e que tinha ido ter com eles para os matar. Valeu-lhes, nesse caso, a sua fraqueza. No entanto, algum tempo depois, uma semana antes, mais ou menos, antes do casamento de Linda e Larry, batem à porta anunciando uma encomenda para a Lisa. Ela atende, sob o olhar de sua mãe que está atrás dela, abrindo a porta antes de esticar o cabelo num nó francês.
“If I can't have you, no one else will have you, and when I get through with you, no one else will want you."
Foram estas as palavras, não do tal homem fraco, mas de alguém que ele contratou para fazer o serviço: atirar soda cáustica na cara de Lisa.
A vista de Lisa ficou danificada irremediavelmente, a sua cara desfigurada e Burt acabou por ser preso.
Lisa afirmou que ele devia morrer pelo que fez.
O casamento ainda se manteve, mas Larry, sem capacidade para lidar financeira, emocional e fisicamente com o sucedido, desistiu, deixando-a.
Lisa tentou lidar com a dor, forçando-se a viver, continuando a trabalhar e a recuperar milagrosamente. A sua figura manteve-se impecável, não obstante os olhos deformados e erradamente coloridos, daí os óculos escuros que ainda usa ininterruptamente. Viajou pela Europa, conheceu pessoas, tudo o que uma pessoa pode desejar. Eram, apesar de tudo, tempos bons. Houve até uma vez que se aproximou de alguém, mas esse alguém não resistiu a vê-la com os óculos claros, que mostravam os seus olhos (dizia uma amiga que era o teste que ela tinha de fazer). Começou aí o declínio emocional de Lisa.
Sem conseguir encontrar o amor, vê-se de seguida sem emprego e uma mulher que suportara tanto na sua vida parecia agora começar a afundar-se nela.
Burt, por seu lado, na prisão, continuava a mandar cartas para Lisa, chegando ao ponto de cortar os pulsos, afirmando em voz alta, como um louco que a amava, no intuito que essa notícia chegasse até ela. Um dia até teve uma resposta de Lisa, que em jeito de provocação lhe respondeu que se gostava tanto dela que lhe mandasse dinheiro. Ele mandou, aliás, mais do que uma vez, e esse gesto garantiu-lhe, após 14 anos de cárcere, um parecer favorável de liberdade condicional. Saído da prisão, tornou-se uma vedeta, cedendo entrevista após entrevista, na televisão ou na rádio, aproveitando sempre que pode para pedir Lisa em casamento, ao mesmo tempo que os seus amigos falam com Lisa, convencendo-a a encontrar-se com Burt. Eventualmente, ela cede.
Lisa ainda era virgem. Pouco tempo depois estavam casados.
Podia ser aqui o fim, mas a história não acaba assim. Pouco tempo após o casamento com Burt, Lisa perdeu totalmente a visão numa operação ao coração e Burt, o eterno mulherengo, voltou a enganar a sua mulher (desta vez, a própria Lisa), com Evangeline, era esse o seu nome, que mais tarde acusaria Burt de a ameaçar e de ter contratado alguém para a matar! Lisa, no entanto, e contra todas as probabilidades, manteve-se ao lado do seu marido, surgindo em tribunal com uma mala que continha cinquenta mil dólares para o pagamento da fiança. E viveram felizes… e viveram!
Diz ela que o maior castigo que ele pode receber é ser obrigado a viver com ela. Ele diz que há mais ou menos dez anos que não faz nada de mal. Ele tem 82 anos e parece um avô simpático. Ela tem 72 anos e parece uma professora dos tempos antigos, com uns óculos pitorescos e um cigarro longo e fino.
De que falamos quando falamos de amor?

(João Freire)

Beth Orton - I Wiah I Never Saw The Sunshine


P.S. - Post baseado no documentário Crazy Love, cuja banda sonora contém o tema em cima reproduzido.


Para o tema de Março de 2011, subordinado ao tema da Violência, num desafio da "Fábrica de Letras".

12 comentários:

ipsis verbis disse...

É uma estranha história de amor. Dos dois, vá-se lá saber qual o mais louco!

ipsis verbis disse...

quanto ao texto, está muito bom :)

Por entre o luar disse...

Eu penso que esta históra é o mórbido conformismo de alguém que não vislumbrava a felicidade com mais ninguém!

Arriscaria mesmo a dizer que se trata de obcessão, é o ter alguém como garantia mesmo sabendo que não se nutre qualquer intenção de dar, mas sim apenas de receber!

No fundo é acto egoísta, porque não se é feliz com a pessoa, mas também não deixa a pessoa ser feliz com mais ninguém.

beijinhos*

Johnny disse...

Que são loucos, são. Que é conformismo e obsessão, também concordo. Mas não sei se lá pelo meio não haverá amor. Lembro que, no princípio, quando se conheceram, ela gostava mesmo dele e viveram tempos felizes, mas o que mais estranheza me causa é o facto de ter mesmo acontecido e de duas vidas se terem encaminhado para tal destino sem que nada no passado de ambos o fizesse prever.

António Lobo Antunes fala muitas vezes da angústia do Homem no tempo e eu acho que é essa angústia que tudo possibilita e justifica. No meio ficamos perdidos e qualquer decisão causa conflitos. Esse conflito deve estar na cabeça dela, juntamente com muita amargueza, mas acho que, no fim de contas, nem ela sabe bem o que sente.

Anónimo disse...

A mente humana tem mistérios profundos, mais do que qualquer crença possa ter os seus.
O sofrimento pessoal e psicológico varia de indivíduo para indivíduo. Se calhar, para essa tal de Lisa, tudo o que aconteceu foi uma grande prova de amor (?) por parte do Burt. Que mundo estranho que é o nosso.

Johnny disse...

Life is really stranger than fiction

Briseis disse...

O título é "história de amor incrível" mas devia ser inacreditável, inverosímil, absurda... Algo do género. E o amor anda onde? Isto revolta-me. Não entendo... mas talvez seja eu, que sou tapada.

Johnny disse...

Ficaram juntos, Briseis! Claro que não são exemplo para ninguém, mas servem ao menos para mostrar o que pode acontecer de errado nas histórias de amor.

mz disse...

Bizarra no mínimo!
Olha essa de esticar o cabelo num nó francês é que eu gostaria de saber :)

Natália Augusto disse...

Esta história pode parecer ficção, um drama cinematográfico, porém há relações assim. Há amores doentes. Homens possessivos, mentirosos e traidores. Mulheres que, independentemente da violência conjugal, não deixam de amar o seu algoz.

Por um tempo, ao ler este texto senti-me numa sala de cinema. Noutro, a violência dom´stica é cada vez mais noticiada e muitas mulheres já morreram no ano passado e neste.

Johnny disse...

MZ, também não sei, mas lá devem ter dito isso no documentário. Parece que é o mesmo que um french twist
:)

Natália, mas que fique bem claro que é uma história real!!!

Sandra disse...

Uma otima participação...
A vida é tão bela. Não sei porque a violência faz parte da vida de algumas pessoas..
O amor é tão especial e Puro..
A Violência vem acompanhando o Mundo desde o seu principio. É uma pena que ainda existe, das mais diversas formas. Tudo é muito triste. O que nos resta é levantar a bandeira da Paz.. Proclamar por ela.
A interação de amigos tbém entrou nesta..
http://sandrarandrade7.blogspot.com/2011/03/coletiva-tema-violencia.html
Não podemos permitir o seu alastramento. Temos sim é que ajudar a combater e cortar as raízes.
Carinhosamente venho compartilhar contigo este texto.
Precisamos sim nos unir em pensamento e passar todoas as energias positivas e combatê-lo..
Falar da vida é muito melhor..Do amor ainda Mias. A Paz então nem se fala..
Sandra