O problema disto tudo é... em parte, haver pessoas que dizem “o problema disto tudo”, porque normalmente são as mesmas pessoas que dizem “o que faz falta é um Salazar em cada esquina para manter a ordem” - e toda a gente sabe que as pessoas que dizem isso são precisamente as pessoas mais desordenadas que existem e que não fazem a mínima ideia de qual seja o problema - mas dizia eu: o problema disto tudo é a falta de educação. Tudo o que se passa de mau na nossa sociedade, desde os conflitos internacionais às filas do centro de saúde, é um problema de educação, de má educação neste caso, que tem as suas raízes na mais tenra das idades. Os culpados? Todos, porque todos nós em determinada altura somos responsáveis pela transmissão de valores aos outros, seja enquanto amigos, pais, avós e restantes familiares, colegas de trabalho, superiores hierárquicos, qualquer coisa, estamos sempre a imprimir valores nos outros e a receber essa mesma impressão. Por sermos mal-educados, por não nos terem ensinado a dizer obrigado quando recebemos algo ou bom dia quando chegamos ao pé de alguém, é que nos tornamos em bestas irracionais que apenas vivem para si, sem pensar nos outros. Assim se explica, por exemplo, que as pessoas queiram trabalhar o menos possível, mas ao mesmo tempo quererem ser milionárias. Aliás, estas pessoas têm tanta consciência da sua inutilidade que nem milionárias querem ser, contentando-se apenas em ser ricas.
- “Nem precisava do primeiro prémio - nem mereço, pensarão -, bastava-me o segundo”
E basta sempre o segundo prémio, desde que dê para viver e montar um negociozito para não apanhar sustos na velhice.
Uma pessoa que não se importa com os outros não vê mal nenhum em estar à conversa com um colega enquanto as pessoas se vão arrumado em magotes numa sala de espera. É o cúmulo da desresponsabilização. E ninguém tem nada que ver com os horários. A hora de abrir é a hora de começar a preparar tudo para preparar o início da preparação do trabalho e se alguém quiser ser atendido tem de esperar porque:
- "Ainda agora abri!"
A hora do fecho é normalmente antecipada. Começa quando se faz a caixa, começa quando se pendura a bata e varre o chão ou se apagam as luzes e já não se pode atender nada nem ninguém, já não se faz mais um c@r#lho, como dizem nas Caldas da Rainha. Fecha a loja, fecha o consultório, a repartição de finanças, a sucursal, o que quer que seja, fecha!
A culpa não é do sistema, ou melhor, não é só do sistema, seja esse sistema o bancário o de saúde, o de Segurança Social ou qualquer outro, a culpa é das pessoas mal-educadas que atravessam esses sistemas de cima a baixo. São essas pessoas que olham para os outros como algo inferior, como algo que tem de se sujeitar à vontade do mecanismo deficiente que compõem, que dizem “volte amanhã”, “agora tem de aguardar”, “não posso”, “vou passá-lo ao meu colega” quando não tem de voltar amanhã, quando não tem de aguardar, quando não tem de ser passado ao colega!
São estas pessoas que tocam a buzina aos outros quando estes fazem alguma alarvidade automobilística mas que ignoram as buzinadelas dos outros, reagindo até com incompreensão aos seus motivos
-“O que é que queres? Passa por cima"
São estas pessoas que entre não abrir falência e comprar um Aston Martin escolhem o carro, porque vêem a empresa como uma extensão de si e o lucro como dinheiro de bolso. São estas pessoas que acusam os outros com as mãos manchadas de tudo o que suja.
- “Se fossem mas é ver dos grandes e dos políticos.”
Mas essas pessoas são “os grandes e os políticos”, os doutores e os engenheiros e os banqueiros e os magnatas das petrolíferas e multinacionais, que despedem, que aumentam os preços, que fazem outsorcing e Lay-off, que oferecem tachos, permitem cunhas, recebem luvas e guardam sacos, que cospem no chão e deitam lixo pela janela do carro, que “têm de passar à frente”, que dão pontapés a animais crianças e velhos, que falam da vida dos outros, que atendem primeiro as pessoas ao telefone do que as que se dignaram a deslocar-se ali, que têm sempre razão, que sabem tudo e deixam o carro em segunda fila quando há um lugar vazio a dez metros “só porque demora pouco”... penso até que serão sempre as mesmas pessoas. Se não forem, há, no entanto, um sentimento que as une: o desrespeito pelos outros. São, enfim, estas pessoas que não aprendem e que não se desenvolvem enquanto seres humanos, cidadãos e trabalhadores.
Mal-educadas!
...E que levam as outras ao desespero e a um sentimento de frustração derreante – o sentimento generalizado de que não vale a pena a honestidade.
Há uma revolta por fazer, um “Chega!” por gritar e começa a ouvir-se um burburinho lá ao longe, uma multidão que se junta e caminha forte na calçada do desenvolvimento, sem medo, armada com palavras e bombas – a bem ou a mal.
(João Freire)
Nota: Poder-se-ia pensar numa solução, no simples ensinamento ao longo da vida da cidadania. Porque não uma disciplina escolar (não uma disciplina inócua como as que se vão acumulando nos currículos escolares, mas uma verdadeira disciplina preparada por psicólogos, sociólogos, educadores, etc) que leccionasse o conjunto de leis, direitos e deveres importantes ao cidadão, que mostrasse formas e exemplos correctos de actuar na escola, na rua ou no trabalho, desde os aspectos mais corriqueiros como a simples cortesia perante os outros às formas de liderança, trabalho em grupo, e resolução de conflitos? Quão bom seria se se ensinasse as crianças sobre a forma correcta de reclamar a má prestação de um serviço!
Ingenuidade
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Não são só as crianças que são ingénuas.
Há um dia que perdemos essa qualidade (ou defeito).
Ninguém nos ensina a viver mas, a vida ensina-nos que, as ...
4 comentários:
Pronto. O problema disto tudo é afinal a falta de educação. Essa disciplina a existir, seria de certo uma das de opção... infelizmente.
É a má-educação, a má Educação (estatal) e a má educação (familiar, construída, etc). Tinha de ser obrigatória, logo na primária
O problema disto tudo é que nenhum governo até hoje colocou a trabalhar no seu ME pessoas que estão há muito no terreno; ou pelo menos ouvir essa pessoas. Quando tudo é tratado sob forma de números, como é que se pretende que haja educação? Quanto aos pais haveria muito a dizer...
E porque é que o Governo não colocou ou coloca ou colocará pessoas adequadas que saibam o que se passa no terreno ou que ouçam quem lá está e percebe?
Se virmos bem, vai tudo dar à educação das pessoas. É disso que se fala quando se fala em questões de mentalidade e cultura enraizadas há muito no país.
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