O amor que ele lhe tinha ficou para trás em troca da esperança de se encontrar, pois sabia que as dúvidas que lhe impunha a ele nunca deixaram de ser as suas. No entanto, quase sem querer, sentia-lhe a falta de manhã, da respiração quente antes de acordar, e de noite, antes de adormecer, dos beijos no ombro que agora não a tocavam e das palavras, palavras que só ele lhe dizia depois de a chamar por aquele nome que só ele conhecia, que ela não ouvira mais. O silêncio instalara-se naquela casa que lhe era estranha e com ele o vazio e um desinteresse generalizado. Olhava frequentemente para a porta, procurando a emoção de algo novo ou imaginando que ele entrava com o seu sorriso inocente de quem ama sem pedir nada em troca. Mas nada de novo aparecia para lhe dar um pouco de emoção e ele também não entrava, de facto, até se afastava mais, afastava-se a milhares de quilómetros e ela apenas podia suspirar, tentando não perguntar em voz alta o que é que estava a fazer ali. Tinha saudades de tudo e era frequente encontrar-se a um canto a chorar pela família e pelos amigos, aquelas entidades estranhas que nos lembram do melhor que há em nós. Tantos nomes para tantas pessoas e a recordação de alguém em todos os momentos, desde um objecto que servira de prenda de anos a uma qualquer situação que vivia, e uma tristeza avassaladora. Mas há coisas a fazer - é isso que ela pensa -, tortuosos caminhos a percorrer na busca de um sentido e a resolução de um espírito aventureiro, um espírito maior sem medo de ser feliz, que transforma as lágrimas que escorrem pelo rosto num alimento saboroso à sua vontade de continuar.
(João Freire)
The Sundays - Wild Horses (cover)
Recordado para o tema "Estava vazio.." num desafio da "Fábrica de Letras"
12/10/2008
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26 comentários:
Esses caminhos são o lugar comum de todos nós. Porém, há poucas pessoas que o conseguem escrever em voz alta. Beijinhos
Bem haja
boo-nee-too
Continuo a dizer que deves ser mais empreendedor e resolveres escrever algo, nunca se sabe amigo.
Abraço
Obrigadinho.
putz!
Estás a chamar idiota à rapariga de que falo, ao rapaz de que falo ou a mim, que escrevi o texto?
não costumo chamar coisas pessoas que não conheço...
simplesmente achei o texto bonito...
Só perguntei porque "putz" em inglês significa idiota ou tosco... ou totó. Também achei que não havia razão para chamamento de nomes, mas era só para esclarecer.
Obrigado pelo elogio.
Tranquilo.
Viver longe deixa sequelas, até na forma de te expressares!
Tá-se, até porque se estivesses a falar de mim tinhas toda a razão (inserir aqui um boneco a sorrir)
:)
Conforme sugestão do autor.
Imagine-se amarelo e com uma rotação de 90º á direita.
vejo que já se conhecem. joão, joão. joão, joão. ahahahahah.
Já ha muito que aqui não vinha, mas deta vez fiquei surpreendida=)
Sim senhor, notei alguma sensibilidade!
*
Há muita... demasiada! Só de pensar na minha sensibilidade, fiz uma nódoa negra... e choro (boneco amarelo a chorar copiosamente)
A primeira leitura deste texto fez-me pensar num casal separado. A segunda leitura fez-me pensar antes num amor entre filha e um pai ou avô já falecidos.
Não sei a que caso se referiam as tuas palavras, ou até se se referiam a um desses, mas gostei da forma como a interpretação é deixada ao nosso critério.
Isto foi baseado num casal de amigos, ela está em Londres, ele está em Braga... mas o bom da leitura (e da arte em geral) é mesmo o que ela nos diz a nós e o que nos oferece e isso... é ilimitado.
As distâncias deixam sempre um vazio enorme...
Nem sempre são por uma livre opção como foi o caso...
Quando as distâncias são por obrigação o vazio é muito mais difícil de preencher.
"Gosto de..." deste texto! :)
Já agora, uma coisita;
Mas porque é que pensam que tudo o que escrevemos tem de se passar connosco?
A nossa inspiração é ilimitada...
Bj
Terá alguma verdade essa constatação, MZ, na medida em que podemos identificar um bocadinho de nós em todos os textos, não tanto no que se diz, mas na forma como se diz... e a verdade é que apenas nós temos a certeza de que somos nós.
um dos melhores textos que li até agora do passatempo da Fábrica deste mês. só por isso penso que valerá a pena segui-lo. e, não fosse a questão do género, talvez me eludisse e ousasse pensar que era eu sua personagem nesta história.
"Tantos nomes para tantas pessoas e a recordação de alguém em todos os momentos, desde um objecto que servira de prenda de anos a uma qualquer situação que vivia, e uma tristeza avassaladora."
Gostei particularmente desta parte, pois o verdadeiro vazio é não ter nada disto. E ela tem.
Beijinho :)
OT, obrigado... Podes ser a personagem, desde que te sintas como tal e que te identifiques com o que é dito.... não há problema, eu deixo :) e até me deixa algo orgulhoso.
Helga, obrigado por gostares. Embora ela o tenha (agora falando de uma forma mais geral, porque nem sei bem como as coisas estão entre aqueles dois do casal verídico em que o texto é baseado), embora às vezes essas pessoas tenham isso tudo e a proximidade de voltarem a ter isso tudo outra vez, acabam por se perderem e perderem tudo... não lhes valendo sequer as recordações, porque o desgaste causado pelas indefinições é tanto que basta um clique para tudo se desmoronar.
Sim, johnny, infelizmente isso também pode acontecer. O que é uma pena, pois apesar do distanciamento entre as pessoas e as coisas, as recordações deveriam permanecer sempre próximas de nós - mesmo as menos boas. Elas são uma parte de nós e o que melhor nos define.
Desejo que tudo corra pelo melhor ao casal em questão, independentemente da decisão que tomaram ou irão tomar.
Beijinho :)
Gostei bastante =D
Bom como sempre... há sempre caminhos a percorrer , mesmo que seja com lágrimas no rosto, por vezes é no sofrimento que se caminha melhor*
Por entre o luar, mas que m3rd2 de mentalidade é essa? Primeiro limpam-se as lágrimas, depois corre-se sim... e nunca se deve pensar que se caminha melhor no sofrimento. Ai, ai...
Muito bonito :)
Parabéns
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