Admiro imenso quem procura a felicidade, quem arrisca tudo na incerteza de um futuro melhor. Não sabem o que querem, mas sabem precisamente o que não querem. São os sonhadores, os eternos sonhadores.
«Não sei para onde vou. Sei que não vou por aí!»
José Régio, poeta, em Cântico negro
Curiosamente, são estes sonhadores os que sofrem mais com a utopia da felicidade que procuram. Permanentemente insatisfeitos com a falta de algo que não sabem bem ao certo o que será, vivem na agonia constante da insuficiência. Há sempre algo que falta… e o que falta? Falta a felicidade. E o que será a felicidade?
Falar de felicidade em termos absolutos é algo difícil que deixa muito lugar àquilo que cada um entende como tal. A felicidade de um será necessariamente diferente da felicidade de outro e essa é só aquela que eles percebem como tal e nunca a real, a absoluta, que será obviamente mais difícil de definir.
Podemos concentrar a definição de felicidade em determinadas coisas que queremos obter ao longo da nossa vida, mas nenhuma delas, per si ou em conjunto, conseguirá garantir um sentimento de felicidade se não houver uma conjuntura de estados de espírito, de formas de pensar e agir que vão de encontro àquilo que nos faz felizes. Se conseguirmos hoje tudo aquilo que pensamos que nos fará felizes, arranjaremos logo a seguir algo novo a desejar. Tendemos para o negativismo, porque tudo na vida segue esse postulado negativista, com o epítome da deterioração e da morte e não precisamos de somar a esse negativismo o fracasso na obtenção de algo que não conhecemos muito bem. Procuramos a felicidade lá à frente, sabendo que o tempo, que a beleza e tudo o resto se esvai e, pensando em tudo isto, é fácil deprimirmo-nos.
«This is your life, and it's ending one minute at a time (esta é a tua vida e está a acabar minuto a minuto)» Chuck palahniuk, escritor, em Fight Club
Mas é por pensarmos e por sabermos que isso adianta pouco, que nos apercebemos – ou deveríamos aperceber – que a visão teleológica da felicidade pouco acrescenta. Ao contrário, prejudica. A felicidade, tal como o bem, a justiça, o amor ou qualquer outro axioma psicológico, social ou filosófico, visto como uma meta, torna-se irrelevante porque o olhar se perde ao longe em vez de reparar no que é imediato, daí que devamos afastar-nos da sua ‘grailização’. A felicidade não se aspira, vive-se e constrói-se. É um lugar-comum dizer isto, mas é verdade.
«Ficar a olhar com uma esperança ociosa equivale a deixar passar a vida em devaneios.» Yann Martel, escritor, em A vida de PI
A felicidade é apenas um balanço em retrospectiva do que fomos, obtivemos e fizemos e não uma lista de compras à qual vamos juntando vistos.
Seguramente que há requisitos. Penso sinceramente que ninguém conseguirá ser feliz sem um sentido de compreensão, assente especialmente no auto-conhecimento e no entendimento dos outros e do mundo, que permitirá reconhecer os defeitos e as virtudes de tudo o que nos rodeia corrigindo o que se pode mudar, aceitando o que não se pode, valorizando tudo o que de bom existe – especialmente nos outros (que é onde é mais difícil ver), porque esses outros também são indispensáveis à nossa felicidade, e no mundo –, desvalorizando o mau e o negativo, afastando-nos dele, garantindo assim a humildade necessária para navegar pela vida sem ressentimentos, numa aprendizagem constante com a qual crescemos.
«nosce te ipsum (conhece-te a ti mesmo)» Inscrição mítica no Templo de Apolo, em Delfos
É certo que as dúvidas nos poderão esmagar e, muitas vezes, acabaremos por nos enganar uma e outra vez, mas se não fossem os enganos do passado nunca teríamos as vitórias do presente e nenhuma derrota deve ser suficiente para desarmar a força de uma consciência tranquila. Por isso, não faz sentido, podendo até cair no ridículo quem o faz, afirmar que não existem arrependimentos no passado.
«Um homem que nunca faz erros é um erro da natureza.»
Leonid S. Sukhorukov, autor de aforismos
Sem dúvida que há arrependimentos (tem de haver), porque não haver é presumir uma impossibilidade. Mais do que defender que não nos arrependemos de nada, devemos reconhecer tudo o que de mal vamos fazendo ao longo da vida, admitindo as nossas acções e as suas consequências, assim como o seu impacto nos outros, a fim de tentar emendar esses erros e de evitar que esses erros e outros se reproduzam no futuro, para que possamos sentir que fizemos o que tínhamos a fazer. Tudo o resto está fora do nosso controlo.
«Arrependo-me muitas vezes de ter falado, nunca de me ter calado» Públio Siro, escritor latino da Roma Antiga
A infelicidade também é a memória do que fizemos mal, batalhas perdidas e quase esquecidas, histórias do passado que não soubemos resolver e que afinal estão bem presentes em nós. Isso evita-se com sinceridade.
«Ama a verdade, mas perdoa o erro»
Voltaire, iluminista
Não devemos pensar que queremos ser felizes, mas sim no que fazer para tornar melhor o momento que estamos a viver. E isto é tão verdade num encontro a dois, como num jantar de amigos ou durante um dia de trabalho no escritório. Fazer alguém rir, aprender algo novo, ver algo que nunca vimos, partilhar, sentir! Tudo isto pode ser feito em qualquer altura, mas sem forçar. Só temos de estar atentos e dispostos a fazer de um momento qualquer das nossas vidas um momento de felicidade.
«Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.» José Saramago, escritor, em Ensaio sobre a cegueira
O somatório desses momentos traduzir-se-á na felicidade que procuramos, a absoluta, uma felicidade verdadeira que permanecerá na nossa consciência e na dos outros, sobre o que somos e sentimos e, claro, no que fazemos. Se vivermos a vida, aproveitando tudo o que de bom existe nela, de acordo com aquilo que acreditamos ser o melhor, viveremos de forma mais feliz.
«Só existem dois dias no ano em que nada pode ser feito: um chama-se ontem e o outro amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver.»
Tenzyn Giatso, Dalai Lama
Exigirá esforço; não é fácil viver, mas o que mais custa é começar.
(João Freire)