01/03/2011

Dos parvos e parvas ao risco de dispersão

Haverá parvos que estudaram e são escravos? Claro que sim. Haverá parvos a escrever para o Destak? Claro que sim. O bom da parvoíce é o seu pendor democrático e maleável. Cabe em todo o lado, ataca todo o tipo de gente, e não é raro ver pessoas sãs a tomar atitudes parvas. Não são parvas mas fazem parvoíces. Claro que a linha entre uma deontologia e ontologia da parvoíce é ténue e por vezes indecifrável, mas quero acreditar sinceramente que no caso do editorial da Isabel Stilwell foi apenas um texto parvo. É a generalização que me custa e eu que estudei a ciência da generalização importo-me com esse aspecto, pois quando se diz que “se estudaram e são escravos, são parvos de facto”, está-se a colocar toda a gente que estudou e se encontra em precariedade no mesmo saco, desde logo os parvos, que existirão também, e os outros que, tendo gasto “o dinheiro dos pais e o dos nossos impostos a estudar”, aprenderam muita coisa mas não conseguem entrar no mercado de trabalho, por muito que procurem. Claro que não são escravos no sentido literal da palavra, nem sequer estão queimados do sol, pois trabalham, não andam de tanga, recebem algum dinheiro e até têm alguns luxos, como o direito à manifestação e à Internet, e perdoe-se os jovens e os “Deolinda” que a conduziram ao engano do sentido da palavra escravo. Terão utilizado uma palavra exagerada para designar uma preocupação que não tem nada de exagero. A verdade é que muita gente estudou o caparro durante anos, pensando que essa via podia permitir-lhe uma vida melhor, para no fim descobrir que essa vida não chegaria tão facilmente. E ninguém compreendia esse facto. O aumento exponencial de licenciados contrapunha-se a um tempo não muito longínquo em que todos os Doutores se empregavam ao sair das Universidades. Esse é que era o tempo dos verdadeiros Doutores, que ainda hoje utilizam esse vocábulo como nome próprio. Agora, mesmo procurando, indo a consecutivas entrevistas, chorando, lutando, arranjando outros trabalhos, consegue-se, mas demora mais tempo, custa mais e recebe-se menos, ao abrigo de contratos que não oferecem regalias nenhumas, mantendo os Licenciados à tangente do mercado de trabalho real. Mas não se pense que é só a precariedade ou uma dor de crescimento dos jovens, que são os jovens a lutar por si. Não, a ferida vai mais fundo. É certo que é um movimento propulsionado pelos jovens, um movimento que nasce na comunicação entre os jovens, mas é um movimento de partilha, de partilha de histórias de indignação que afectam a todos, das crianças aos velhos, um movimento que comunga da constatação de que caminhamos para algo pior e de que é preciso fazer algo quanto antes. Assim nasce uma manifestação. Mas o que farão os jovens, perguntar-lhes-ão debaixo dos holofotes, debaixo de sorrisos, enquanto os vêem a gaguejar com os cartazes na mão cheios de reivindicações avulsas. E a resposta terá de ser: nada! Não temos de fazer nada, ninguém, para além dos políticos, tem de fazer nada, para isso os elegemos. Podemos ajudar, podemos discutir soluções e levá-las ao conhecimento de quem de direito, podemos continuar a trabalhar para aumentar a produtividade do país, mesmo naqueles empregos de merda que nos sufocam, mas nós não temos de governar. Há no entanto algo que podemos fazer e esse terá de ser o objectivo da manifestação que se avizinha. Há que mostrar que há muita coisa mal, que ninguém está satisfeito e que eles têm de governar melhor, e é esse o único “basta” que pode ser gritado dia 12, lembrando-lhes que têm de governar para o povo e não apesar do povo. A verdade é que a democracia, nos moldes em que se tem apresentado em Portugal, não tem funcionado (basta ver uma discussão parlamentar para perceber isso). Todos nós estamos habituados a trabalhar com pessoas de quem não gostamos, debaixo de ideias que não defendemos, mas todos fazemos o nosso trabalho, trabalhando para o sucesso da nossa organização e da tarefa que temos em mãos. Mas na política isso não acontece. Não há clareza, não há rumo, não há transparência e não há seguramente um compromisso político pelo bem comum. O poder, mais do que uma ferramenta, é o objectivo – é essa a ideia que passa para os cidadãos – e, quando se alcança, o poder não se usa em favor do bem comum, mas apenas e só em favor… E isso é que tem de acabar, é isso que basta e é esse grito que importará fazer dia 12..


(João Freire)

20 comentários:

João Roque disse...

Há nitidamente um aproveitamento político muito grande de uma canção que não tem, na sua génese, acredito eu, senão uma critica, ainda que correcta a uma determinada situação actual, como outras músicas dos "Deolinda", que serão tudo menos um grupo de intervenção, como já ouvi apelidá-los. Sou contra a adjectivação das gerações, seja "parva", seja "rasca" ou outra do mesmo tipo: é passar-lhes um atestado de menoridade...
Quanto à manifestação, pois que se faça, porque há bastas razões parta se fazerem manifestações; mas não será esta manifestação, uma forma de mostrar que nós cá também sabemos convocar manifestações via redes sociais, como no Médio Oriente? São casos muito diferentes, e qualquer manifestação no Portugal de hoje tem que ter por detrás dela poderosas forças sindicais e/ou políticas.

ipsis verbis disse...

Ao que eu achei mais piada, nem foi ao texto da Isabel Stilwell, (porque não tem sequer ponta por onde se pegue para que lhe ache alguma coisa, a não ser o fim) foi sim a tudo o que ela já "fez" por mérito da cunhice. Mas isso é o que dizem as "más línguas" e eu acredito porque também sou um bocado parva nestas coisas :)

Vita C disse...

Li e reli, e concordo. Estes senhores que alguns de nós elegeram (e os outros têm de se conformar, pois é este o cerne da democracia) têm de governar para nós. Não para a UE ou paera a senhora Merkel, é para nós. Nós temos a nossa parte, que é a de não baixar os braços nunca, independentemente da frustração de expectativas e da injustiça que podemos sentir. Porque ninguém disse que a vida era fácil, e se fosse era um grande tédio. Quanto a esta questão de baixar os braços não quer dizer que comamos e calamos, e é isso mesmo que se verá dia 12. Nós estamos cá para fazer a nossa parte, cumpre a quem de direito fazer a sua.
(a isabel stilwell teve a resposta, demagógica sim, mas frutífera, no Prós e Contras, foi engraçado vê-la a esganiçar-se como se o que estivesse em causa era ela e não apenas um seu texto infeliz, infelicissimo)

Johnny disse...

pinguim, também acho que a manifestação é um bocado metida à pressão, mas como um amigo bêbado que se manda contra dez, não o podemos deixar ir sozinho... ainda que acabemos por levar nas trombas :)
Quanto à canção, a intervenção depende de quem a ouve e se sente identificado... tenho de confessar que quando a ouvi, ainda para mais com a reacção do público, também me emocionou um bocado (mas isto que não saia daqui).

Ipsis, também li isso, mas nessas coisas não me meto... as palavras e as acções ficam com quem as emprega.

Vita C, ainda bem que concordas.
Quanto ao Prós e Contras, não gostei nada da forma como os "jovens" falaram... todos nervosos, mal-preparados e contraditórios, mesmo o Tiago (que era espectacular no Zapping e, acho que, no Portugalmente) esteve àquem. Notei foi (e a psicóloga há-de ter reparado) que a Isabel Stilwell estava algo cansada a abatida (parecia até envelhecida), queixando-se (em certos pontos com razão)dos ataques ao seu bom nome...

Johnny disse...

*aquém

Moyle disse...

fui dar uma vistinha de olhos ao editorial e não me parece que a senhora prime por uma especialmente luminosa inteligência.
esta é a mesma que escreve romances históricos com rainhas portuguesas como leit-motiv? se é, só prova que se pode saber ler e ser-se estúpido ainda assim.
esta vontade de não "compreender" linguagem figurativa é sintoma de fanatismo (é mesmo, não inventei agora, só simplifiquei para não enfastiar). faz lembrar alguns comentários idiotas aos cartazes "deixem-nos dar aulas" que apareciam nas manifestações de professores.

Muito bom: «E a resposta terá de ser: nada! Não temos de fazer nada, ninguém, para além dos políticos, tem de fazer nada, para isso os elegemos.»

Johnny disse...

Não sei se é ela, Moyle, sei que o editorial é fraco. Obrigado.

ipsis verbis disse...

Johnny e Moyle: é ela é. i'm a google freak, baby!

Moyle disse...

yes you are, ipsis. yes you are :D

gracias

Petra disse...

O texto da senhora é completamente absurdo...
Certamente que a vida dela deve ter sido muito fácil.

Catsone disse...

Johnny, uma vénia.
Lusídas, Canto IV estâncias 94-104.

Abraço.

Johnny disse...

Petra Pink, eu só sei que esteve muito mal naquele texto, quanto ao resto... deixo para a sua própria consciência.

Catsone, ou seja,

94

"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:

95

- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

96

- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!

97

- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?

98

- "Mas ó tu, geração daquele insano,
Cujo pecado e desobediência,
Não somente do reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência,
Mas inda doutro estado mais que humano
Da quieta e da simples inocência,
Idade d'ouro, tanto te privou,
Que na de ferro e d'armas te deitou:

99

- "Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve fantasia,
Já que à bruta crueza e feridade
Puseste nome esforço e valentia,
Já que prezas em tanta quantidades
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la quem a dá:

100

- "Não tens junto contigo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
Se queres por vitórias ser louvado?

101

- "Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o Reino antigo,
Se enfraqueça e se vá deitando a longe?
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?

102

- "Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas velas pôs em seco lenho,
Dino da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!
Nunca juízo algum alto e profundo,
Nem cítara sonora, ou vivo engenho,
Te dê por isso fama nem memória,
Mas contigo se acabe o nome e glória.

103

- "Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo que o mundo em armas acendeu
Em mortes, em desonras (grande engano).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
E quanto para o mundo menos dano,
Que a tua estátua ilustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movera!

104

- "Não cometera o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande Arquiteto co'o filho, dando
Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando,
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!"

Só me dá trabalho :)

Obrigado pela vénia.

(E o Benfica lá foi à vida, não é)

Pronúncia disse...

Johnny, bom texto... ao contrário do da senhora dona Isabel...

Johnny disse...

Obrigado, Maria Pronúncia.....

(Só apareces aqui em dia de vitória do Braga para meteres asco, não é?)

mz disse...

Estamos em época de mudança, de movimento social, por isso é bem vinda uma manifestação com um descontentamento bem definido, nada de gaguejar.

PRECARIDADE é o ponto fulcral deste protesto que se irá realizar e, este GRITO terá de ser escutado não só pelo governo mas também pelas entidades empregadoras.

Estão a dar demasiada importância a Isabel Stilwell.
E o texto da canção dos "Deolinda", - tem uma mensagem forte e, quer queiramos quer não, deu um empurrãozinho à "manif"

Pronúncia disse...

Johnny, não sejas injusto... andei a pôr os comentários blogosféricos em dia... tenho andado arredada destas lides.

Catsone disse...

Também podia ter escrito "o belenense" ía dar ao mesmo.

Quanto ao slb, este ano tiveram o melhor FCP de sempre e assim fica difícil :)

Abraço

Johnny disse...

MZ, é um grito pertinente.

Pronúncia, levaste para o lado errado, era a parte do Braga que importava ressaltar no âmbito do asco :)

Não concordo que seja o melhor de sempre, Catsone... são muito eficazes, isso sim.

Brown Eyes disse...

...e, quando se alcança, o poder não se usa em favor do bem comum, mas apenas e só em favor… E isso é que tem de acabar, é isso que basta e é esse grito que importará fazer dia 12..
É isso mesmo. Plenamente de acordo. Chega de políticos vigaristas.

Johnny disse...

Fico feliz por concordares, Mary, ainda mais por me citares :)