11/03/2011

Revolucionários reaccionários

Faz-me muita confusão Irrita-me que apareçam cada vez mais vozes contra a manifestação de dia 12. Não me estranha que haja gente contra, porque uma pessoa vai aprendendo ao longo da vida que há gente para tudo, mas, concorde-se ou não com a manifestação, não se pode certamente fazer dela aquilo que ela não é, ou seja, uma manifestação de uma geração contra as outras gerações. Poderá discutir-se isso, eu tenho argumentos importantes nessa discussão, mas que toda a gente perceba que isso não é o que interessa discutir agora.
Tem-se assistido nos últimos dias a vários debates sobre a manifestação e em todos eles relevaram, não o estado do país nem a questão dos recibos verdes ou as possíveis soluções para alguns desses males que afectam, maioritariamente, os jovens, e também os outros cidadãos, numa transversalidade geracional que deveria envergonhar toda a gente, mas sim o escalonamento do sofrimento por geração ao longo dos diferentes períodos históricos que vão desde o passado vivo mais longínquo ao presente."Quem sofre(u) mais?" Perguntam os vários analistas e comentadores, baseando-se nos dados mais irrefutáveis. Não respondem, concordando no entanto que, seja a geração que for, não será certamente a geração dos 30.
E o que se pode dizer a isto?
Têm razão. Podemos dizer que sim, que provavelmente têm razão e que não é a geração dos 30 que está "mais" à rasca. E depois podemos perguntar o que é que isso interessa? O que visam conseguir com esta contra-manifestação? Se são os velhos sem pensões ou com pensões tão baixas que têm de andar no meio do lixo à procura de comida que estão à rasca ou se são os nossos pais e tios de 40/50/60 anos "muito jovens para a reforma, muito velhos para aprender um novo ofício", concordaremos que mais do que uma questão geracional é uma questão nacional, e, sendo assim, não deveriam também eles juntar-se à manifestação?
A sério que não percebo esta corrente reaccionária que vem desde o Marcelo Rebelo de Sousa, passando pelo Miguel Sousa Tavares, até à Constança Cunha e Sá, sem esquecer os jornalistas que se desviam do que é essencial e que não fazem as perguntas difíceis, todos eles contestatários do Governo, e que vêm agora reagir contra quem quer fazer alguma coisa ao nível dessa contestação.
O nome da manifestação não será o mais correcto, por ventura. Concordo plenamente, mas há que convir que foi meia dúzia de pessoas a tomar o primeiro passo e a fazer alguma coisa para que a situação mude, independentemente da sua capacidade de Marketing e mobilização. Campanhas apelativas e demagógicas, que apelam a tudo e todos, são feitas pelos partidos (veja-se o caso do Tea Party, nos Estados Unidos), mas será isso o mais desejável? É isso que querem? Para quê discutir miudices quando se pode aproveitar este movimento para discutir coisas importantes. Quem faz birra afinal? Onde está o mal de haver uma manifestação de pessoas insatisfeitas que querem pedir aos governantes que trabalhem mais e melhor, que querem apresentar soluções, que querem dizer para contar com eles? Haverá mal algum em pressionar o governo para que tome medidas, mesmo que se facilite o despedimento dos célebres "in" do sistema contratual, para acabar com os recibos verdes dos que estão "out"? Haverá mal algum se as pessoas exigirem, como se vê na Suíça, um tecto nas reformas e nos salários de toda a gente e das empresas públicas, a fim de aumentar as pensões mais baixas, por exemplo? Haverá mal na sugestão do fim das empresas municipais que sugam dinheiro e contraem empréstimos a fim de esconderem as dívidas municipais, para aumentarem os sacos coloridos que escondem e dividem entre amigos? Eu acho que não, mas há pessoas, muitas pessoas, infelizmente, que continuam a ver o desenvolvimento social de um país ao nível do poder conquistado e não do partilhado. Ou se manifestam contra o que está mal e apresentam soluções ou acham que está tudo bem, mas não critiquem quem está a fazer alguma coisa POR SI E PELO PAÍS só porque não gostam da retórica ou dos cartazes quando cada vez mais se assistem a episódios, que são sintomas de quebras sociais que tendem a agravar-se e a fazer ruir o espírito social e comunitário de um país com consequências imprevisíveis.
E porque não sair agora e aproveitar para ajudar a contestar, surgindo com ideias, apoiando as dos outros, criticando as ideais erradas, quase como se se tratasse de um amigo bêbado que vai para a pancada, e ajudar nos protestos e ajudar o amigo bêbado que apesar de trôpego, tem alguma razão? E afinal, quem estará a fazer uma birra?

(João Freire)



P.S. - Post baseado num comentário a um post, com um texto que anda a circular na net, num blogue que sigo e do qual gosto.

11 comentários:

Briseis disse...

Muito bem falado, camarada Johnny! Bora lá apoiar o bêbado que se alevanta contra a maré porque, realmente, só alguém muito ébrio para acreditar que vale a pena começar algo... Admiro profundamente as pessoas por trás de iniciativas construtivas destas e que, faz parte, são ostracisadas...

Cirrus disse...

Pá, completamente de acordo, aliás, como já tinha escrito lá no meu sítio, embora com um enquadramento diferente.
Não é só com esta manifestação. Está na moda dizer que não é com greves que se resolve alguma coisa, não é contestação que se resolvem os problemas do país... Tristes aqueles que nem para o outro lado do Mediterrâneo olham por estarem demasiado ocupados a proteger as suas benesses. A olhar para o umbigo.

Catsone disse...

Não é com manifs, nem com greves, que vamos lá; é baixando a cabeça, rezando à Nossa Sra, beijando a mão, pedindo a bênção, enfim, fazendo o que se tem feito ao longo de décadas.
Acho perturbante que os "mais velhos", que tanto idolatram a fantochada do 25/04, se ponham contra a espontaneidade desta iniciativa. Talvez não se concorde com o todo, mas a intenção de se fazer ouvir e de se mostrar "arreliado", de se FAZER algo deve ser valorizada por todos.
Fartinho de comer e calar...

Brown Eyes disse...

Johnny são os jovens que estão mais à rasca? Provavelmente não serão mas, como dizes que interessa? O que interessa é que há um país à rasca que tem que se unir e lutar, lutar com as armas que tem na mão: manifestações, greves, seja o que for. Greves todos dizem que é uma asneira fazê-las no estado em que está o país? É? Então como podemos gritar o nosso descontentamento? Eu farei as que forem preciso, passarei o mês seguinte com menos dinheiro, é verdade, mas se não concordo tenho que lutar. Nunca farei como alguns: falam,falam, nada fazem mas se houver louros colhem-nos. Falta união neste país onde cada vez há menos gente, há muitos aproveitadores mas gente? Não há.

Pronúncia disse...

A manifestação de hoje, mostrou uma coisa... não é só uma geração que está à rasca, é um País inteiro.

Os Portugueses começam a acordar... é só o início.

Johnny disse...

Briseis, cá por mim devemos estar sempre ao lado dos amigos bêbados. A história far-lhes-á justiça, não só aos autores do protesto, mas a todos os que se mexeram pelo país.

Cirrus, parece-me, pelo que tenho lido pelo teu, que partilhamos mais ou menos as mesmas ideias relativamente a este tema. Ainda bem para ti :)

Catsone, Exactamente. São os tais do restelo, os cínicos que hão-de existir sempre...

Mary (Brown Eyes), por acaso nunca fiz greve, mas tal como as manifestações, são direitos e formas de agir sobre a sociedade que funcionam e hão-de funcionar.A união vai-se fazendo através, por exemplo, deste tema que iniciou esta manifestação, união essa que não pode ser fabricada por nenhum sindicato ou partido.

Maria (Pronúncia), espero que seja o início de algo melhor.

Moyle disse...

esse tipo de denúncias e ataques, ainda para mais vindos de quem vêm, são outras tantas razões para participar.
para quem escreve romances históricos, MST (não é uma doença sexualmente transmissível, é mesmo Miguel Sousa Tavares) percebe muito pouco de História.
Constança Cunha e Sá é uma comentadora/entrevistadora de políticos sonsa e que serve basicamente de amplificador (nunca a vi incomodar nenhum, nem sequer fazendo aquilo que poderia esperar: perguntas inteligentes).
MRS (não é nenhuma taxa, mas é aborrecido como qualquer imposto) vive noutro planeta, claramente. Se alguma coisa acontece que ele tenha previsto, acontece precisamente porque ele a previu, porque há-de haver totós, que os há, que depois vão atrás do que ele despeja com aquela candura fabricada de miúdo que descreve aos convidados o que viu quando apanhou os pais na cama, porque não tem noção do embaraço que está a causar.
Custou-me não ir a Lisboa, no sábado. Depois de ler as notícias e descrições doeu-me ainda mais. Mas sei que não será a última.
Só não há revoluções por falta de revolucionários, pois razões há de sobra (numa parede cá em Coimbra)

mz disse...

Concordo conigo, também me irritam muitas coisas e não são somente declarações de políticos ou gente da praça pública. As opiniões diferentes só provam que estamos numa sociedade livre e democrática, ainda bem senão eu não estaria aqui a escrever tão à vontade e tu também não.

Sobre a manif, emocionei-me com a massa humana que saiu à rua. Num descontentamento geral, manifestaram-se com liberdade, tranquilidade e civismo. Incrível como um pequeno grupo de 4 jovens que utilizando as ferramentas certas, conseguiram arrastar toda uma geração para a rua numa manifestação descontente em que o grito principal foi a precaridade.

Johnny disse...

Moyle, o Marcelo já falou melhorzinho ontem, se calhar todos falarão melhor agora que a manifestação acabou e foi um sucesso, mas acho que a tua avaliação dos três é correctíssima.

MZ, agora há que esperar que algo maior e melhor cresça e contribua para o país.

.:GM:. disse...

Eu estou na primeira metade dos 30, e não me revi nos fundamentos da manifestação. Até achei alguns deles totalmente líricos e irreais. Há problemas de base, efectivamente, mas esses problemas provêm sobretudo da atitude como encaramos a vida. Sei de muito boa gente que esteve presente nessa manifestação e que passaram a vida toda à espera das coisas de mão beijada. E só se queixam, e nada fazem para mudar a situação. O problema é um problema estrutural, não se trata somente de um problema ao nível do mercado de emprego. Trata-se de um problema ao nível académico: demasiadas vagas para um mundo profissional de escolhas reduzidas. E o idealismo, normalmente oposto do realismo, provoca com que se tomem decisões erradas e se acabe em situações complicadas. Volto a sublinhar, não era contra, nem a favor da manifestação. Achei apenas lírica e muito pouco sustentada.

Johnny disse...

.:GM:., E eu conheço muita gente que se esforçou, esforça, luta, desespera e não consegue... independentemente da razão. Diz que é um problema académico. Podemos lutar para que se mude, para que seja melhor. Porque é que temos todos de escolher o nosso futuro a partir do décimo ano, quando temos 15 ou 16 anos? E depois, mesmo com 18, com o que é que nos deparamos? Que escolhas? Médias, cursos, saídas, idealismo, realismo? Você (chamo-o assim, por respeito e não como forma depreciativa) prefere alinhar a sua acção pelos maus, eu prefiro pelos bons. Luto, porque há pessoas a sofrer lá no meio? Não sou eu, por enquanto, mas são pessoas anónimas que não tiveram pela altura desta discussão a voz que outros desperdiçam. Se haveria bestas na manifestação? Claro que sim, há-as em todo o lado. Você prefere ir pelo realismo... não o censuro, mas não acho mal nenhum que outras pessoas queiram seguir o seu sonho. Convirá que a vida é só isto, que tudo morre no cérebro, e que no fim, o juízo final é apenas feito para nós e connosco. Prefere fazer o balanço de uma vida realista ou de uma vida idealista?