30/05/2009

Um lado cada vez menos amargo

Foi o que senti.

- E não devia

Tu sabias… tinhas a certeza que falavas com ela pela última vez!

- Eu estava ao teu lado

E mal conseguias conter as lágrimas.

A sua cara, o corpo… tudo diminuto. Parecia que encolhia à nossa frente, menos os olhos, que eram grandes e fortes, secos e duros, como ela!

- Como se fosse talhada de um carvalho.

Mas quando começou a dizer, em jeito de despedida, que fôssemos sempre amigos

- Eu e tu.

Tu saíste disparada, rebentando em lágrimas.

Ao dizer-lhe a ela que sim, que eu e tu seríamos sempre amigos, dividindo o olhar entre aquela senhora pequena e a tua sombra soluçada na parede do corredor…

- E não devia.

Senti que um acordo inviolável se escrevera.

E muito do que esse acordo previa ainda se mantém.

Sinto

- E não devia.

Que tenho de te proteger, compreender e aceitar, mesmo quando mais ninguém o faz, mesmo se mais ninguém o fizesse, e se, por um lado, isso me eleva perante ti

- E, mais uma vez, não devia

Por outro, confunde tudo o que possa sentir

- Bom ou mau!

Bom ou mau.

É injusto para ti, que não pediste nada, que não sentiste

- Nem sentes

Nada!

Aposto que, sabendo, me livrarias desse compromisso.

Mas um acordo é um acordo.

- As partes intervenientes disseram o que tinham a dizer naquele momento.

E, por ser prometido, nunca deixou de ser sincero.

- Claro.

E mesmo agora…

- Mesmo agora…

O sentimento amargo começa a desvanecer

- Desculpa

Desculpa.



Que se lixe.


(João Freire)

4 comentários:

ipsis verbis disse...

Gostei, contudo soube-me a pouco.
Na sua forma, este texto faz-me lembrar a escrita do Lobo Antunes.

Johnny disse...

Um bocadinho, sim... talvez se pegue.

Por entre o luar disse...

Agora já percebi!

*

Johnny disse...

Aleluia!