Sinto-me como o resultado de um molde que serviu para todos. Ao longo dos anos, aquela sensação familiar de sermos únicos, imortais e brilhantes vai dando lugar a outra completamente diferente: à sensação de sermos apenas um entre iguais. Encontro-me num bom livro, encontro-me num bom filme, encontro-me no reflexo psicológico de um grande general ou filantropo do século passado e revolto-me. Quem mandou ao James L. Brooks fazer um filme sobre mim? Eu sou o Melvin Udall (Jack Nicholson) no “Melhor é impossível” (As good as it gets, 1997). Sem o comportamento compulsivo obssessivo, é certo, mas sou ele. Eu sei que é exagerado dizer isto e até algo pretensioso, mas nunca ouvi ninguém dizer tanta coisa que eu penso. Não vou elaborar mais sobre isto, mas eu sou ele. E quando comento com uma amiga que tudo o que se possa dizer já foi dito pelo Fernado Pessoa ou quando converso com alguém sobre a infância e descubro que toda a gente fazia aqueles joguinhos na rua, sejam eles a contagem das pedras da calçada, o andar só nas pedras pretas ou qualquer outra coisa do género, confronto-me com uma realidade cíclica que me faz sentir pequeno, indiferenciado… muito pequeno. Admito que esta redundância humana tenha um lado bom: aprendi com ela a compreender mais as pessoas, a pensar que por trás do comportamento que a mim parece terrivelmente desajustado estará uma lógica irrefutável e assim desculpo mais, concedo mais. E isso é bom. Ninguém pode negar. Mas há algo em mim que luta contra esta inevitabiliade e não aceita que seja apenas e só mais um mero grão num mar imenso de areia. Eu sei que sou melhor do que a maior parte das pessoas que conheço. Eu sei-o e só tenho pena que ninguém se aperceba disso. Bem… quase ninguém. Talvez a minha mãe se aperceba disso. A minha avó, essa, sabe-o de certeza, aliás, é por essas e por outras que fica triste quando descobre que ainda não arranjei um emprego à altura (penso que para ela esse emprego será o de Presidente da República). Mas ainda vão a tempo. Eu ainda vou a tempo! Mas talvez todos pensemos isto.
(João Freire)
1 comentário:
Às vezes também sou confrontada com esse pensamento. Às vezes, vezes demais.
Quando entro num local desconhecido, e observo quem o ocupa, dependendo do tempo, consigo saber se sou ou não melhor que a maior parte de todos quantos ali estão.
Não é para me gabar a ninguém pois nunca faço regozijo dessa análise. É sim, por mania e puro subjectivismo.
Aborrecem-me as pessoas que, constantemente, erram a escrever ou a falar quando deviam saber mais que isso. Sou melhor que elas porque descubro a fraude que são; aborrecem-me as pessoas que fazem tudo e se metem em tudo e que apelidam toda a gente de inúteis, para depois chorarem aos quatro cantos que não têm tempo para nada. Sou melhor que elas porque vivo; Aborrecem-me as pessoas que adoram o confronto e as discussões em voz alta e esganiçada que põem qualquer um em cheque, não me deixando sequer defender porque simplesmente não ouvem outra voz que não a delas. Sou melhor que elas porque sei que tenho razão e nem preciso de o dizer em voz alta; Aborrecem-me as pessoas depressivas, maníacas das doenças e de sofrimentos em catadupa, falando sempre desesperadamente e que tentam agarrar qualquer um para o abismo onde dizem viver, com uma naturalidade anormal e doentia. Sou melhor que elas porque me sinto normal; aborrecem-me as pessoas que falam de tudo e de nada em demasia, ganhando com isso, espaço, tempo e protagonismo. Sou melhor que elas porque as rotulo silenciosamente de ocas por dentro com rococós por fora.
Há um grande grupo de pessoas com quem convivo. Há um outro, mais pequeno, com quem partilho interesses e compatibilidades. Há um terceiro e último grupo, com quem faço tudo isto e ainda aprendo, ensino, vivo e desfruto. Neste, tudo se coaduna e resulta.
Somos animais sociais e por isso vivemos em grupo, uns com os outros e cada um com a sua idiossincrasia, e como tal, podemos e devemos escolher os nossos pares.
No final desta introspecção à laia de exorcismo, ficam as minhas duas observações:
1 - sou melhor que todos os elementos do primeiro e segundo grupo.
2 - do terceiro, sou par e melhor é quase impossível.
Talvez me tenha distanciado do tema principal do post, mas é normal na minha condição de irmã mais velha, dizer que também me sinto um pouco como tu.
E agora, sem querer parecer lamechas, digo que também eu sei que tu és melhor que a maior parte das pessoas que conheço.
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