11/09/2011

I went to brush something off my cheek and it was the floor*

Talvez seja necessário bater no fundo quando se está a chegar ao fundo. O fundo pode ser um catalisador de uma recuperação em grande. Há qualquer coisa de reconfortante na constatação de que nada pode ficar pior do que está e isso alarga os nossos horizontes. Só quando sacudimos o pó e olhamos à volta é que tomamos o assunto nas nossas mãos e fazemos alguma coisa para sair do buraco onde nos metemos, procurando as melhores possibilidades, arranjando soluções, descobrindo caminhos e atalhos que nos levem de novo ao cimo e à luz. Muita gente é ajudada quando está à beira do fundo e nunca chega a esse fundo regenerador, na realidade, cada vez é mais difícil bater no fundo, porque numa sociedade tão bem inter-ligada através de meios de assistência e comunicação omnipresentes, qualquer pessoa que não nos conhece para além do que superficialmente mostramos através de letras e imagens num ecrã está disposta para uma palavra de ânimo, para uma mãozinha que nos segura e apoia antes de cairmos. A pena, a caridade influem negativamente nas pessoas na medida em que as acomodam à vida que levam, habituando-as a uma sobrevivência pacífica na dependência, à estagnação na miséria, a deixarem-se estar. Mas a revolta é precisa, a indignação é precisa e estarmos fartos de algo é o primeiro passo para mudarmos. Muita gente emigrou, acabou relações, despediu-se do emprego, deixou algum vício [ou até entrou em incumprimento, se levarmos a coisa para a escala macro-económica. Avé Islândia], porque não havia outra solução, seja porque foram encostados à parede por familiares ou amigos, por uma condição médica, o que seja! Ou até simplesmente porque interiormente essa situação atingiu níveis de insustentabilidade insuportáveis.
Às vezes o nosso caminho passa por buracos, uns mais fundos outros menos, mas só atravessando esses buracos nós mesmos podemos seguir em frente.

Alice In CHains - Down in a Hole


Reaproveitado para o desafio de Janeiro da Fábrica de Letras, subordinado ao tema "Metamorfose

*A citação foi ouvida e vista no programa No Resevations de Anthony Bourdain. O Google diz-me que o seu autor é Raymond Chandler. Numa tradução livre, quererá dizer algo como "ia para sacudir alguma coisa da minha face e era o chão."

23 comentários:

Eva Gonçalves disse...

Hoje, somos almas gémeas! Subscrevo inteiramente. Muito bom post. P.S. Adorei o título... beijinho

Johnny disse...

Obrigado, obrigado, obrigado, Eva. Beijinho.

Briseis disse...

Só batendo no fundo conseguimos dar impulso com os pés para subirmos rápida e decididamente.
Belo, muito belo post.

anouc disse...

Andas muito sensivelzinho... -.-'

anouc disse...

E não estou a falar do texto. -.-'

Por entre o luar disse...

Eu acho que quando se vai a fundo o impulso para cima é bem mais forte * Gostei do texto .

Johnny disse...

Briseis, obrigado :)

anouc, para já para já, um nome próprio devia começar com letra grande! Depois, isto não é o messenger ou o Faceboook -.-
E ando, mas não tens nada a ver com isso :)

Por entre o luar, obrigado, também :)

ipsis verbis disse...

Sobre o título; às vezes o gajo, o Anthony, até manda umas fixes. Quanto azo texto; profundo ;)

João Roque disse...

E será que já chegámos ao fundo?
Duvido...

Johnny disse...

Pior do que nós, enquanto sociedade, chegarmos ao fundo, pinguim, é pensarmos em nós, numa perspectiva mais pessoal (egoísta) da questão :)

Johnny disse...

Quanto à questão do nós (sociedade/país) chegarmos ao fundo... olha, que se f...!!!

Catsone disse...

Muito boa esta dissertação; muita coisa a aproveitar nas entrelinhas.

PS: o "no reservations" é (para mim) o melhor programa de culinária/viagens/boa vida/jabardice da televisão!

Marta disse...

quando cheguei a essa beira de um tal buraco atirei-me para o funfo de cabeça e andei lá a nadar numa sopa de caos emocional. Agora estou de volta à margem, mas tenho o buraco atrás de mim e não no meu horizonte.

PS - não tenciono dar um passo para trás :)

Johnny disse...

Catsone, o pior é que qualquer dia isto é um blogue de auto-ajuda :)

Maria, o pior de se atirar de cabeça é o de não se saber a profundidade da sopa... imagina que era muito baixa e partia o pescoço :P

mz disse...

Se tu estivesses quase a bater no fundo, por acaso não agradecias uma mãozinha que te ajudasse a voltar à superfície?
Acho que cada vez é muito mais difícil subir apenas por nossa mão... existe sempre um factor de ajuda externa ou não vivessemos nós numa comunidade organizada e imperfeita também.E isto vale para quem está no fundo e para quem está mais acima.

Brown Eyes disse...

Johnny tanta verdade junta. Precisamos a maior parte das vezes de sermos encostados à parede para agirmos. Estou à espera de o ser no trabalho pois acomodei-me e não gosto mas também não me quero maçar. Preciso de um abanão que chegará e me fará agir. Como aprendi a não ligar a nada do que ouço e vejo por lá, aprendi a sobreviver no inferno, ando calminha e nem lá vou nem quero ir mas, isso atrasa-me. Estou a perder muita coisa, terá que haver uma mudança e haverá. É só esperar por aquele clic. Beijinhos

Marta disse...

huuummmm partir o pescoço... vai de pés, ninguém morre de entorse :)

estou a brincar,ok? é só para dizer que os "fundos" podem ser excelentes saídas. são poisos de passagem, se lá fores não te acomodes, sê rápido.

mas o que percebo eu disso?

Johnny disse...

Mz, depende, é como aquela anedota do passarinho... nem sempre quem te tira da merda quer o teu bem.

Mary, há um encostar à parede e um "encostar à parede"... ambos são convenientes :)

Maria, ora aí está uma máxima que até a ASAE é capaz de aceitar sem reservas. "Salta de cabeça, mas vai de pés"

Moyle disse...

estar no fundo do buraco não é demasiado grave, pelo menos até te começar a atirar pazadas de terra para cima...

Johnny disse...

Moyle, e mesmo aí... um gajo já não sente nada... a não ser que sinta e aí já é mau sinal.

Catarina disse...

Hum... Mais um mês mais uma ronda, e
"cá estamos nós outra vez" :)

Estabeleci um estranho paralelismo entre a tua Metamorfose e a minha... Devem ser coisas da minha cabeça pois os textos são radicalmente diferentes a começar pela tipo de texto...

Em relação ao título lembrei-me duma anedota "Eu não nunca caio o chão é que às vezes me bate"... Vai-se lá saber porquê :p

Mais uma fantástica participação a tua... E não querendo transformar esta caixa de comentários em conversa de café mas não conseguindo em simultâneo resistir... O nosso Aimar sempre fica mais um ano para nosso grande gáudio ! :)*

(Se este comentário deixar transparecer laivos de suave loucura não tenhas medo, isto é temporário depois passa, não é contagioso...)

Catarina disse...

*de uma

Johnny disse...

Catarina, já fui muito feliz a ouvir Jorge Palma... (nunca umas reticências foram tão apropriadas)

Já estive a ler a tua metamorfose e tem lá as mesmas forças motoras da mudança, assim como as consequências, sim, pelo que concordo que estão próximas.

Quanto ao Aimar, ainda lhe dou mais dois ou três anos (wishful thinking) e a ver vamos...

Quanto à loucura, só se for nos elogios... logo, não é uma loucura muito grave.