Haverá parvos que estudaram e são escravos? Claro que sim. Haverá parvos a escrever para o Destak? Claro que sim. O bom da parvoíce é o seu pendor democrático e maleável. Cabe em todo o lado, ataca todo o tipo de gente, e não é raro ver pessoas sãs a tomar atitudes parvas. Não são parvas mas fazem parvoíces. Claro que a linha entre uma deontologia e ontologia da parvoíce é ténue e por vezes indecifrável, mas quero acreditar sinceramente que no caso do
editorial da Isabel Stilwell foi apenas um texto parvo. É a generalização que me custa e eu que estudei a ciência da generalização importo-me com esse aspecto, pois quando se diz que “se estudaram e são escravos, são parvos de facto”, está-se a colocar toda a gente que estudou e se encontra em precariedade no mesmo saco, desde logo os parvos, que existirão também, e os outros que, tendo gasto “o dinheiro dos pais e o dos nossos impostos a estudar”, aprenderam muita coisa mas não conseguem entrar no mercado de trabalho, por muito que procurem. Claro que não são escravos no sentido literal da palavra, nem sequer estão queimados do sol, pois trabalham, não andam de tanga, recebem algum dinheiro e até têm alguns luxos, como o direito à manifestação e à Internet, e perdoe-se os jovens e os “Deolinda” que a conduziram ao engano do sentido da palavra escravo. Terão utilizado uma palavra exagerada para designar uma preocupação que não tem nada de exagero. A verdade é que muita gente estudou o caparro durante anos, pensando que essa via podia permitir-lhe uma vida melhor, para no fim descobrir que essa vida não chegaria tão facilmente. E ninguém compreendia esse facto. O aumento exponencial de licenciados contrapunha-se a um tempo não muito longínquo em que todos os Doutores se empregavam ao sair das Universidades. Esse é que era o tempo dos verdadeiros Doutores, que ainda hoje utilizam esse vocábulo como nome próprio. Agora, mesmo procurando, indo a consecutivas entrevistas, chorando, lutando, arranjando outros trabalhos, consegue-se, mas demora mais tempo, custa mais e recebe-se menos, ao abrigo de contratos que não oferecem regalias nenhumas, mantendo os Licenciados à tangente do mercado de trabalho real. Mas não se pense que é só a precariedade ou uma dor de crescimento dos jovens, que são os jovens a lutar por si. Não, a ferida vai mais fundo. É certo que é um movimento propulsionado pelos jovens, um movimento que nasce na comunicação entre os jovens, mas é um movimento de partilha, de partilha de histórias de indignação que afectam a todos, das crianças aos velhos, um movimento que comunga da constatação de que caminhamos para algo pior e de que é preciso fazer algo quanto antes. Assim nasce uma manifestação. Mas o que farão os jovens, perguntar-lhes-ão debaixo dos holofotes, debaixo de sorrisos, enquanto os vêem a gaguejar com os cartazes na mão cheios de reivindicações avulsas. E a resposta terá de ser: nada! Não temos de fazer nada, ninguém, para além dos políticos, tem de fazer nada, para isso os elegemos. Podemos ajudar, podemos discutir soluções e levá-las ao conhecimento de quem de direito, podemos continuar a trabalhar para aumentar a produtividade do país, mesmo naqueles empregos de merda que nos sufocam, mas nós não temos de governar. Há no entanto algo que podemos fazer e esse terá de ser o objectivo da manifestação que se avizinha. Há que mostrar que há muita coisa mal, que ninguém está satisfeito e que eles têm de governar melhor, e é esse o único “basta” que pode ser gritado dia 12, lembrando-lhes que têm de governar para o povo e não apesar do povo. A verdade é que a democracia, nos moldes em que se tem apresentado em Portugal, não tem funcionado (basta ver uma discussão parlamentar para perceber isso). Todos nós estamos habituados a trabalhar com pessoas de quem não gostamos, debaixo de ideias que não defendemos, mas todos fazemos o nosso trabalho, trabalhando para o sucesso da nossa organização e da tarefa que temos em mãos. Mas na política isso não acontece. Não há clareza, não há rumo, não há transparência e não há seguramente um compromisso político pelo bem comum. O poder, mais do que uma ferramenta, é o objectivo – é essa a ideia que passa para os cidadãos – e, quando se alcança, o poder não se usa em favor do bem comum, mas apenas e só em favor… E isso é que tem de acabar, é isso que basta e é esse grito que importará fazer dia 12..
(João Freire)