Kevin Carter, New York Times |
Não se sabe o que aconteceu à criança. O jornal a quem Carter vendeu a fotografia garante que a criança demonstrava ter forças para se afastar, mas que desconheciam o que tinha acontecido à criança. Mas sabe-se o que aconteceu a Carter - que ganhou um prémio Pulitzer com esta foto. No final, profundamente deprimido com acontecimentos da sua vida e também pelo que se passava em África, acontecimentos que culminaram no desaparecimento de Ken Oosterbroek, um colega seu que fora alvejado fatalmente quando cobria as primeiras eleições após Apartheid, Carter viria a pôr fim à sua vida em 27 de Julho de 1994. Tudo se terá passado num local onde costumava brincar nos seus tempos de criança, ligando uma mangueira do tubo de escape ao interior da sua carrinha, morrendo de envenenamento por monóxido de Carbono, deixando uma carta de despedida com este excerto:
“Estou deprimido… Sem telefone… Sem dinheiro para a renda... Sem dinheiro para ajudar as crianças… Sem dinheiro para as dívidas… Dinheiro!!!... Sou perseguido pela viva lembrança de assassinatos, cadáveres, raiva e dor… Pelas crianças feridas ou famintas… Pelos homens malucos com o dedo no gatilho, muitas vezes policias, carrascos… Se eu tiver sorte, vou juntar-me ao Ken...”
Claro que nestas coisas há sempre desacordos, incongruências e versões diferentes, há até uma versão de um colega de Carter, um fotógrafo nascido em Lisboa de nome João Silva, que diz que os pais da criança estavam por perto e que Carter não terá esperado tanto tempo como disse, pois quando Carter se aproximou o abutre fugiu, tendo tirado apenas algumas fotos. Porque teria Carter contado uma versão mais dramática, mas que o deixava mal-visto? Mesmo que a criança estivesse em sofrimento, valeria esse sofrimento por todo o reconhecimento que a fotografia trouxe à situação sudanesa em particular e de todo um continente assombrado pela guerra, fome e ódio racial? Carter terá cometido suicídio por não ter ajudado a criança? O que se passou com a criança? Outras mil palavras que as imagens nunca dirão.
(João Freire)
Reaproveitado para o desafio de Março da Fábrica de Letras, subordinado ao tema "Fotografia"
Reaproveitado para o desafio de Março da Fábrica de Letras, subordinado ao tema "Fotografia"
31 comentários:
"Perto dela, um abutre aterrara, quase como se também ele estivesse intrigado com aquele som."
Intrigado é uma boa hipótese. Envergonhado. Impotente. Expectante...
Aquele abutre, sozinho, dava uma excelente história!
Não sei o que dizer...
Vi esta foto pela primeira vez há alguns anos atrás e senti muita vergonha pelo que nunca fiz para que ela não existisse. Sempre que a revejo tenho o mesmo sentimento. Mesmo sem vê-la o sentimento permanece.
gb (quotidiano)
As pequenas coisas que (não) fazemos alojam-se algures dentro de nós.
Há situações em que um código de conduta deontológico e/ou moral respeitantes a uma actividade profissional consegue, ou não, sobrepor-se à humanidade que todos partilhamos.
Poderíamos falar no abstracto e aí permanecer, mas nessa fotografia a criança é bem real e concreta.
Clara Umbra, tendo a achar que os animais são estúpidos e que o abutre apenas pensava uma coisa.
Dylan, acontece muito nestas situações.
GB (quotidiano), é uma vergonha de todos, mas mais de uns do que de outros.
Vita C, essas questões costumam colocar-se mais em documentários sobre a vida selvagem, não é? "Será que o fotógrafo deve ajudar a gazela a fugir ao leão?"
Perante uma criança, como dizes, o sofrimento é mais real... e mais próximo também.
Eu estado de choque ! :O
Triste realidade !
Triste fim...
Por entre o luar, a realidade é mesmo assim.
Infelizmente ... é revoltante !
conheicia a fotografia, e tambem o desfecho do fotografo. nao fazia ideia sobre a existencia dessa situaçao da espera para o perfect shot. e se isso for verdade, isso de ficar a espera, nem que seja doi minutos para conseguir uma imagem melhor, perante uma criança nesse estado, acredito piamente que o fotografo tenha ficado com "coisas" dentro dele para, juntamente como todo o cenario de guerra o conduzirem ao derradeiro desfecho. se foi assim, foi mesmo mau e desumano. sera que cenarios de guerra tornam mesmo tudo tao relativo? mesmo a vida de uma criança para quem nao ´´e sequer um guerrilheiro?
Mel, o portuguesito que lá andou com o kevin disse que é mentira e que a história que o autor da fotografia contou fá-lo parecer pior, mas há a questão de saber se o sofrimento momentâneo da criança valeria pelo impacto que se sabia que a foto iria causar.
... Claro que não, mas acreditemos no português.
Há quem diga que as fotografias não passam de momentos estáticos muitas vezes longe da realidade.
Eu não concordo com esta teoria.
Toda a fotografia, por mais ingénua que seja, transmite sempre uma mensagem.
Esta fotografia , veio despertar o mundo para uma realidade bastante cruel. Independentemente do sentido estético ou mensagem que o fotógrafo quizesse reforçar (querendo que o abutre abrisse as asas) a realidade dos factos seriam sempre os mesmos.
Ele conseguiu o objectivo - Denunciar ao mundo os EFEITOS COLATERAIS de uma guerra; FOME E MORTE do modo mais cruel que pode abater-se sob o ser humano.
Um fotógrafo profissional nunca teria deixado escapar esta oportunidade.
Depois, perseguindo-o como um abutre não conseguiu superar as memórias e juntamente com algumas perdas, foi o mundo que se abateu sobre ele.
pegando nas palavras da Clara e também nas tuas vou aqui estabelecer uma ponte sobre a perspectiva do abutre. é possível compor 1000 palavras com razoável beleza estética sobre a perspectiva do almoço.
Mz, transmite uma mensagem, mas neste caso transmite o sofrimento da criança, que é bem real. Há quem diga que perante aquela 'fotografia' não se poderia colocar a questão de fotografar ou não... havia sim que ajudar de qualquer maneira a criança. Mas essa é a questão do milhão de dólares, se a fotografia cale o sofrimento momentâneo da criança - mais que não seja enquanto dura a fotografia - ou não?
Moyle, eu concordo com essa visão, ainda que a parte das palavras seja um bocado elaborada (em termos evolucionários) no que respeita ao abutre.
Mz, transmite uma mensagem, mas neste caso transmite o sofrimento da criança, que é bem real. Há quem diga que perante aquela 'fotografia' não se poderia colocar a questão de fotografar ou não... havia sim que ajudar de qualquer maneira a criança. Mas essa é a questão do milhão de dólares, se a fotografia cale o sofrimento momentâneo da criança - mais que não seja enquanto dura a fotografia - ou não?
Moyle, eu concordo com essa visão, ainda que a parte das palavras seja um bocado elaborada (em termos evolucionários) no que respeita ao abutre.
Johnny, deprimiste-me, friend.
Uma pessoa luta todos os dias para esconder memórias destas. Vamos vivendo e reclamando da nossa triste vida e pimba: depara-se (novamente) com essa foto!
África, amigo, só implodindo. São tantos interesses... o que vai mantendo assassinos no poder em diferentes "repúblicas".
Abraço.
A pergunta que falta é:
Porque terá ele tirado a foto em vez de salvar a criança? Que poder terá o dinheiro para que alguém tire uma foto a uma criança moribunda, se vá embora e deixe a criança no meio do nada? Poderia ter tirado a foto e salvo a criança. Há imensas hipóteses era só escolher uma mas salvando sempre a criança. Esse matou-se, devia ter consciência, mas há tantos por ai que matam e continuam como se nada fosse com eles. Aqui houve justiça, ele acabou sem dinheiro como aquela criança, que nada tinha, nem comida. Excelente post Johnny. Beijinhos
Catsone, cuidado com as implosões, até porque só uma pequena minoria é que não prestará. África continua refém de fronteiras que os colonizadores fizeram e de pessoas sem escrúpulos que abusam das riquezas de África, sejam de fora ou de dentro.
Mary, se pegarmos no relato do português, vemos que o homem não foi tão mau quanto possa parecer, até há a dúvida de os pais estarem ao lado a receber ajuda humanitária. Não devemos ser muito rápidos a condenar pessoas com base em relatos ou histórias, não?
Quando vi a foto pela primeira vez, apenas a vi, na perspectiva do desconforto que a mesma me causou.
Confesso agora, que a foto oferece realmente uma série de reflexões não só sobre a vida, mas também e principalmente sobre os princípios que a regem...
Comigo foi igual, principalmente na parte das questões e reflexões...
a vida. os seus princípios. as acções dos homens. os danos colaterais que estas causam. a miséria. o sofrimento. a dor. e muito mais.
"eu era infeliz porque não tinha sapatos, até ao dia em que me deparei com um homem que não tinha pés".
deixei cair umas lágrimas. não de pena! de revolta. assim está o mundo no séc. XXI.
no entanto tenho que te agradecer. embora me tenhas entristecido.
Lala, estas coisas só nos servem de lição, para nós pensarmos e aprendermos com elas, para que - numa situação próxima a esta - possamos lidar da melhor forma com ela. Não adianta chorar sobre leite derramado e que os erros dos outros nunca te façam chorar. E se chorares, olha, canta aí o Playback com o resto da maralha :)
pronto! agora fizeste-me rir! ;)))
*
sim e tens mais que razão. mas infelizmente são estas imagens reais que me dão nós nas bolsas lacrimais e elas disparam por si! servir de lição servirá com certeza... no entanto e infelizmente, não o será para todos!
(ainda por cima agora que o IVA leite com chocolate vai aumentar para 23%...)
conheço a fotografia e a história que lhe está subjacente e de facto é terrivelmente deprimente. Tenho muitas fotografias de crianças, que tiro quando vou a Africa, acho que seria incapaz de fazer negócio ou de as publicar. Enfim vivemos uma época de obscuros interesses, nem que seja pela merda de um prémio... no entanto a fotografia não deixa de ficar para a história, pelo pior.
lala, não hã mal nenhum em haver pessoas sentimentais... só irritam, mais nada. E quanto ao IVA, que bebam leite branco, porque o chocolate não faz falta a ninguém...
Juana, também ficou para a história pelo melhor, na medida em que garantiu conhecimento da situação que se vivia naquele continente, tendo ajudado a reunir muitos apoios. eu acho que a foto valeu a pena, mas também acho que a foto não deveria existir, porque significaria que alguém não tinha prolongado o sofrimento da criança.
adorei o texto e por mais que queira comentar, fiquei sem palavras. acho que a revolta sobre a situação em si é suficiente. E o pensar que todos nós contribuímos para que estas coisas se perpetuem...
Anne, comenta sempre, nem que seja para dizeres... sei lá! um olá... nem que seja para dizeres mal! É sempre um prazer.
Eu acho que da mesma forma que contribuímos para o mal, também o fazemos para o bem. Conhecendo estas coisas, dando a nossa voz, ensinando os nossos filhos, sobrinhos ou o que quer que seja, já estamos a ajudar. Podíamos fazer mais? Podemos sempre, mesmo quando fazemos muito.
Johnny,
Todas as vezes que o meu olhar se debruça nesta imagem e, sapiente dos motivos que lhe estão subjacentes o meu peito oprime-se e, a minha alma estende-se de joelhos a meus pés.
Ana
Olá Ana, bem-vinda. acho que, apesar de tudo o que lhe está subjacente, esta imagem (e outras) deve estar sempre com a humanidade, por forma a evitar situações iguais, nas quais o sofrimento impere desnecessariamente.
Este mês distraí-me :(
Mas ainda venho a tempo para deixar as minhas palavras...
Uma imagem pode valer por mil palavras, mas um gesto que salve alguém vale muito mais.
A imagem é forte, dramática e faz-me quase chorar, mas o jantar que é pago na entrega de prémios pulitzer pagaria as refeições dessa criança. Porque não fizeram nada, porque não quiseram saber, choca-me ainda mais do que a imagem... Os actos valem ainda mais do que as imagens perfeitas.
;) Beijinho
Grande texto*
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