13/05/2010

Essa mala condición de estar rodeada por el mar por todos lados


Estava a olhar para ela, é verdade, mas também não é menos verdade que estava a olhar para outras duas. Será habitual em mim esta dispersão no olhar, ainda que, normalmente, isso redunde em nada. Pessoas que eu mal conhecia diziam para ir ter com ela, diziam aliás que qualquer uma das três valeria a pena, a cerveja ajudaria, mas perante a indecisão foi ela que veio ter comigo. Lembro-me perfeitamente do ritmo na pronúncia, quase como uma canção.
- Por qué me hás estado mirando toda la noche – perguntou ela.
Devo ter respondido, disso não me lembro, mas lembro-me bem (talvez não me lembre bem, mas lembro-me) do que aconteceu depois.
Ela estava com uma irmã, essa irmã teria o nome de um rio russo (?), depois falou-me das sobrinhas, acho que eram duas mas não tenho a certeza, disse que trabalhava num banco e finalmente disse que queria ir para outro lado. Eu disse que sim. Fomos a um bar, bebemos algumas cervejas, dançámos, trocámos carícias e beijos acalorados e no fim, quando decidíamos o que fazer e aonde ir para terminar a noite, explicou que teria todo o gosto, mas que precisava da minha ajuda para um problema no seu local de trabalho. No dia seguinte teria de repor 70 euros (aproximadamente). Disse-lhe que não pagava – a verdade é que também já não tinha esse dinheiro – até porque “se alguém tivesse de pagar" seria ela, uma vez que poderia "desfrutar de um macho latino”. Eu estava bêbado, o humor não daria para mais e a verdade nua e crua é uma: ela sorriu. A irmã apareceu, tentando explicar a situação, que não era nada do que eu estava a pensar, mas ela disse-lhe que não valia a pena e depois, com alguma tristeza no olhar, despediu-se de mim com um beijo enquanto era puxada no braço pela irmã, olhando-me com ternura. Saí com um sorriso nos lábios, percorrendo sozinho e ligeiramente embriagado as ruas desconhecidas de Havana, sentido-me de certa forma aliviado.
Continuo a querer acreditar que não era uma puta.


(João Freire)


Buena Vista Social Club - Chan Chan



Recordado para o tema "Paixão" num desafio da "Fábrica de Letras"

28 comentários:

João Roque disse...

Nunca estive em Cuba, mas penso que ali a necessidade de dinheiro é muita, podendo levar a pensar que as pessoas sejam aquilo que na realidade não são...

Ginger disse...

HA HA HA HA !! :D

Ginger disse...

Quem te manda ser sovina?

cofi*

Ginger disse...

HA HA AH AH _____ AH!!

mz disse...

Balha-me Deuse, ilumina-o!

Catsone disse...

Lol, essa última frase é épica!!!

Su m disse...

Uhmm... Às vezes a ignorância é o melhor bálsamo para a alma sem dúvida...

Pronúncia disse...

Se isso te faz feliz, porque não continuares a quer acreditar?!

Buena Vista Social Club... me gusta! :)

Poetic Girl disse...

E talvez não fosse mesmo! beijocas...

Moyle disse...

putas, em Cuba? tira daí o sentido.

Johnny disse...

Pinguim, depende do que sejam... na realidade. Eu, aquela, não sei... mas desconfio.

Ginginha, ainda bem que as minhas tragédias te fazem rir... incrível conseguires rir de uma hipótese de amor perdida para todo o sempre *Snif, snif*

MZ, estou como o bêbado que se encosta ao poste. Ele não procura iluminação, procura apoio.

Catsone, a frase foi mesmo naquela de dar cabo de tudo o que parecia tão direitinho. podia ter dito outra coisa? Podia, mas não seria a mesma coisa.

Su, neste caso concordo - foi um bom bálsamo.

Pronúncia, será exagerado dizer que me fará feliz, mas acho que sim, que vou continuar a acreditar... sempre dá uma imagem melhor dela... e de mim.

Poetic girl, exactamente... ainda há pessoas românticas.

Johnny disse...

Moyle, na realidade, o termo técnico é jineteras e não seria muito óbvio o engate, porque sucedeu num sítio recatado, quase como uma festa popular, que são as peñas, locais de convívio da comunidade com música ao vivo. Por isso... acho que tenho alguma desculpa, até porque era muito gira e simpática...

Lala disse...

se calhar estava mesmo a precisar de ajuda...!

Ginger disse...

HA HA HA HA HAAAAAAAAAA_HA!

...uma nota... disse...

Johnny, que grande sequela...estou a tentar imaginar o filme!

São coisas que acontecem. Tu neste post apresentas a tua frustração, mas há quem a esconda...

Johnny disse...

Lala, é perfeitamente natural que alguém que precisa de ajuda vá para um bailarico e um bar curtir... e gastar dinheiro - o tal de que precisa!

Ginginha, as tuas gargalhadas também me fazem sorrir... ao menos isso, perante o fracasso do amor...


...uma nota, fizeste lembrar-me daquele poema (Poema em linha recta) do Fernando Pessoa (mais concretamente Álvaro de Campos), quando diz que nunca conheceu "quem tivesse levado porrada", que todos os seus conhecidos "têm sido campeões em tudo"... e eu, como li isso, aprecio mais contar as histórias em que perdi... toda a gente gosta de uma boa derrota.

Anna disse...

Ao som deste ritmo latino que me faz vogar nas suas ondas, observo, de longe, esse João que seduz/se deixa seduzir por um olhar, por um sorriso. O momento é fugaz, a lembrança nem tanto.

Fosse ela o que fosse, se o tivesses sabido, a história não teria adquirido os contornos dignos de serem relembrados ao sugerir-se a palavra "paixão".

*

Moyle disse...

mas o meu comentário era generalista e não estava, de modo nenhum, a censurar-te. são cenas que podem acontecer. muito discernimento tiveste tu, ainda assim.

Johnny disse...

Anna, e valeu a pena para além do textito... eu, pelo menos, gostei da experiência.

Moyle, tá-se bem. Não entendi como censura, mas como uma constatação, que eu percebi e vi pelos meus olhos, mas que no caso - até porque havia cubanos no grupo dos conhecidos a incentivar à aproximação - me desculpabilizará... um pouco.

Obrigado pelos comentários.

Ricardo Fabião disse...

Johnny,
por que a necessidade de querer acreditar que ela não seja puta?
Estaria nascendo uma paixão?

Essas noitadas de cerveja são assim mesmo: deixam uma dúvida dos diabos...

Abraço.
Ricardo.

Johnny disse...

Talvez, Ricardo... talvez :)

palavrasloucas disse...

Conheces "la vida es un carnaval" da Celia Cruz?,É uma excelente música para se dançar a salsa... mas na realidade creio que para os cubanos a vida raramente o seja... um carnaval, quero dizer. E muitas vezes a necessidade obriga a isto e a muito mais.
Creio que mais importante foi a quimica entre os dois! Tu sabes que houve... porque raramente o coração se engana... e depois se ela era ou não uma P***, para o caso, importa?
O que muda?

palavrasloucas disse...

Juro que não estou nem um pouco embriagada... desculpa e repetição do comentario...
Este pc é demasido lento e unduziu-me em erro, o filho da mãe!

Johnny disse...

Não conheço, palavrasloucas, pelo menos tendo em atenção só o nome, mas logo já vou conhecer... mas se dá para dançar a Salsa já sei uma coisa: os cubando deixam-me ficar mal (todos dançam bem), até a mim que sou um dançarino de discoteca e bar (bêbado, portanto) excepcional. Quanto à vida deles, não é tão má como se poderia pensar e apesar das adversidades fazem o que o ser-humano faz melhor: adaptam-se.

palavrasloucas disse...

Pois... conseguiste desviar-te muito bem da quimica!
Certamente ter-te-á virado do avesso...
Beijo

Johnny disse...

Eu não estava a fugir. Houve química, claro que sim, mas também não é difícil... basta juntar dois químicos para eles interagirem.

Mz disse...

Se isto te ajuda...
Esquece tudo e recorda só o olhar de ternura....
Ah... e repete muitas vezes "ela não era puuuuuuuuuuuu"
:)

Johnny disse...

E é isso que eu faço, doméstica, ou que tento fazer... constantemente... com nostalgia... e uma lágrima :)