21/12/2009

Porque é que alguém escreve?

- Às vezes farto-me das palavras, de tudo isto que é esta escrita inócua... Porque é que alguém escreve?
- Porque gostam.
- Não, não é isso…
- Vem-me à memória aquele adágio que diz que “quem não sabe fazer, ensina”!
- E é isso que eu sinto. Tenho noção que sou melhor no meio das palavras do que no meio das pessoas…
- E talvez sejas fraco por isso. Somos idiotas por não ter coragem de fazer aquilo que queremos e pensamos… todos somos idiotas por causa disso.
- Ninguém faz tudo o que quer, ninguém é assim tão livre. Se fôssemos livres agarrávamos o que queríamos com as duas mãos sem nunca largar independentemente das consequências e eu não vejo muita gente a fazer isso, aliás, acho que haveria muitos crimes se assim fosse.
- Talvez...
- E não me venham dizer que não tenho coragem quando estão sentados numa secretária a receber ordens durante oito horas miseráveis.
- Tu é que disseste que a escrita é inócua.
- Eu ainda tenho noção que sou fraco e aí me redimo. Ficam as palavras, a memória da pessoa que sou no que não fiz.
- Não queria chatear-te.
- Não me chateias. Distrais-me! Mas não me chateias.
- Pareces chateado.
- A verdade é que nada disto vai de encontro àquilo que eu dizia. Isto será a finalidade da escrita.
- Então qual é a confusão?
- Eu gosto de escrever para exteriorizar sentimentos e essa treta psicológica e também gosto de escrever pelo que transmito naquilo que escrevo, mas acho que muito do gosto que tenho advém do jogo que é a escrita, pois há muitos jogos naquilo que tentamos transmitir a quem o tentamos transmitir e a forma como o transmitimos...
- Sim, a escrita é uma brincadeira da imaginação em que os blocos de construção são as palavras...
- E os sons!
- Sim.
- Gosto, por exemplo, da palavra cinismo e não sei porque é que gosto dela, nem do que gosto nela ao certo, mas gosto e uso-a muito. E é este aspecto mais mecânico e orgânico da escrita que me interessa!
- Ah.
- Por isso não me venhas dizer que é uma forma elaborada de comunicação e essas tretas, porque não é isso.
- Que estranho!
- Eu sei que a escrita, por si só, é muito importante e entendo-a, entendo até quem lê, porque se aprende muito, mas o processo de escrita, o processo de autor… isso é que eu não entendo. Aliás, estes factos apenas adensam o enigma: O que é a escrita no grande esquema das coisas que é o universo? Aquele conjunto de letras, de palavras, espaços e pontuação que criam narradores, personagens e universos imaginários? Que sentido tem tudo isto?
- Já estás a chegar ao ponto de pensares demasiado...
- E escrevemos para nós ou para os outros?
- Talvez escrevamos para nós e para os outros.
- A ideia imbecil de que podemos estar a ajudar alguém, nem que seja pela parte do simples e efémero prazer da leitura, e o gosto de sermos lidos e apreciados não podem ser a explicação.
- Procuras explicações, mas recusas as tuas próprias hipóteses...
- E o que os outros pensam terá importância?
- Já nem me ouves...
- Será que gostam, será que não gostam… e que ideia tem de nós aquele que nos lê?
- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!! Cala-te!
- O que foi?
- E o que é que isso tudo interessa?
- Agora sim, tens razão. Já me calei!

(João Freire)



Nine Inch Nails - The Mark Has Been Made



Para o "tema livre" num desafio da "Fábrica de Letras".

20 comentários:

Moyle disse...

é fixe quando vais escrever um texto com uma ideia e depois o próprio texto parece ganhar vida própria (é cliché mas não arranjo expressão melhor) e vai para onde lhe apetece. tu ali a esforçares-te com um assunto e depois as letras trabalham por conta própria. é nice. e se me acontece a mim, nem imagino a quem escreve mesmo.

Por entre o luar disse...

"Tenho noção que sou melhor no meio das palavras do que no meio das pessoas…"

POr vezes penso que muita gente tem esta mesma noção*

Gostei do texto*

meldevespas disse...

É exactamente isso Jóni..melhor no meio das palavras do que no meio das pessoas. Não concordo que as palavras e/ou a escrita sejam inócuas, mas são libertadoras. A nossa liberdade entre aspas, do dia a dia não nos permite os voos que as palavras permitem, não nos permitem levantar a voz, ou o dedo a dizer que estamos aqui, como as palavras permitem. Gostei muito deste diálogo, foca muitos pontos com os quais nos deparamos amiúde (gosto da palavra amiúde). Porque escrevemos, porque escrevemos o que escrevemos como escrevemos, para quem escrevemos?
P.S:Apesar de adorar as palavras, há algumas que abomino, tais como : foto, exacto, derivado (eheh), algo.
Nem as palavras são perfeitas...
Beijinhos

Johnny disse...

Moyle, é fixe, é... ainda que o objectivo fosse mais o de parecer uma discussão plausível entre dois tipos com a mania que são intelectuais...
Quanto aos caminhos que a escrita percorre, eu também não imagino como será que acontece a quem escreve mesmo.

Por Entre o Luar, eu nem nas sou bom com palavras nem com as pessoas, não é? :)

Mel, são inócuas precisamentete pelo que referes, porque é uma liberdade imaginada, porque são voos imaginários e gritos mudos... eu, pelo menos, preferia muito mais - e vou preferindo, sempre que posso - voar, sentir a liberdade e gritar DE FACTO.
Quanto ao derivado, vocês (mulheres) nunca se esquecem :)

Brown Eyes disse...

Comunicar pela escrita é menos cansativo, mais livre, mas, também, nem sempre nos dá o feedback, aquele que precisamos para alterarmos pequenos pormenores na arte de comunicar. Eu sempre me senti melhor a escrever que a falar em público mas adoro comunicar entre amigos e arranjar novas amizades.
Johnny vim desejar-te um Feliz Natal e um ano repleto de amor, saúde, paz, muita paz e espero que escrevas em liberdade. Beijinho grande

por entre o luar disse...

Com as pessoas não tenho dúvidasss...!! Lol
Com as palavras (não é bem assimmm) ;)

Beijo*

Johnny disse...

Brown, em liberdade, pelo menos total, nunca se escreve, pelo menos num blogue frequentado por pessoas conhecidas.

Por entre o luar... enfim... até parece...

Brown Eyes disse...

Tens razão johnny. Por isso não divulgo o meu blog entre o pessoal conhecido apesar de já conhecer algum do pessoal que o comenta, acaba-se sempre por simpatizar com algumas pessoas que comentam e acaba por nascer amizade. Um das razões porque não o divulgo é essa, perca de liberdade. Quantas vezes queres abordar um assunto e temes ferir susceptibilidades.
Beijinhos

Johnny disse...

Se eu abordasse os temas que queria, se calhar também fastidiava toda a gente... por isso... vai indo como está.

Lala disse...

eu gosto do que a tua escrita me diz.

Johnny disse...

Gostas nada, Lala...

Obrigado, no entanto :)

El Matador disse...

Como dizia o outro: "escrevo uma estória para saber como vai acabar"

mz disse...

Quem escreve tem uma vantagem em relação ao objecto visado. Estamos muito mais concentrados, escolhemos calmamente as palavras adequadas. Escrevemos apagamos... escrevemos apagamos... Exteriorizamos o que num frente a frente nem sempre conseguimos, por distração ou porque nos é difícil, ou ainda por não encontrarmos as palavras certas.

Johnny,
nem toda a escrita é "inócua" por isso a palavra é uma arma muito poderosa - tanto se acolhe como se repudia.

Alonguei-me...

bbbbbbbbbjs

Johnny disse...

El Matador, está muito bem visto... essa intervenção na história e suas consequências é uma boa razão para a escrita.

MZ, podes alongar-te à vontade... é inócua num sentido mais prático, parece-me... ou não, não sei ao certo :)

Por entre o luar disse...

Tu és melhor no meio das palavras, sem dúvida ... fora disso és demasiado agressivo :D

Johnny disse...

Sou nada -.-

Por entre o luar disse...

Que ideia... qualquer dia estou negra de tanta porrada ! xD

Johnny disse...

Quem ler isto há-de ficar com uma ideia...

Por entre o luar disse...

Ficam com a ideia certa xD não podemos esconder as coisas ...

Johnny disse...

Sendo assim, da próxima vez que nos virmos já sabes o que te espera.

Já que tenho a fama....