21/11/2007

Sobre os gatos

Quietinha, aí!
Pensas certamente que és diferente, que és melhor, que és especial.
Ninguém te entende, ninguém consegue penetrar na densidade e complexidade do teu ser.
Olha à tua volta, milhares de milhões de outros como tu.
Uns mais longe, outros mais perto, uns mais feios, muitos, outros menos simpáticos, menos inteligentes, menos fofinhos, mas todos especiais, com a triste arrogância de perfeição.
Só uns defeitos embrulhados numas vestes de elogios: reciclagem.
És mais do que aquilo que pensas ser mas menos do que podes ser.
Ficamos sempre aquém.
Podias ser melhor, podias olhar mais vezes à volta, para trás e para a frente, podias magoar menos.
Daqui a uns anos, já sem ti, outra como tu a olhar e a não ver, outra como tu, como eu, como todos.
Lá à frente a felicidade, como o devir natural das coisas.
Para ti talvez um sítio confortável, com muito sol e algo para te divertir.
Mas, por agora, deixa-te estar aí quietinha.
Vê e aprende.
Eu bem tento ensinar-te, mas dou por mim a aprender mais do que tu.
És tu que me treinas.
Fica o conselho (mais uma forma de reciclagem):
Olha mais à tua volta, preocupa-te mais com os outros sem te despreocupares contigo.
Exijo que te preocupes contigo e que não deixes ninguém tratar-te mal, mas olha mais e aceita tudo o que de bom te dão.
Os gestos afectuosos são cada vez mais raros e há que dar-lhes o devido valor.
Sendo assim, fica aí quietinha,
Ai! Quieta!
Pois tu sabes que os gatos até a brincar magoam.

(João Freire)

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