Numa conversa de café, um dos senhores que eu escutava atentamente referiu que para Portugal ter o sucesso que todos lhe adivinhamos apenas seria preciso que existisse um ou dois Salazares por Distrito. Por si só, este comentário pode parecer despropositado e, no mínimo, ingénuo, mas o que estará por trás deste crescente apelo à estrutura de um pai autoritário, porque razão haverá tanta gente neste país a exigir uma diminuição das liberdades? A resposta pode parecer óbvia: porque as coisas estão mal. De facto, o país não atravessa a sua melhor forma económica e social, ainda para mais o Benfica não ganha, mas penso que há um problema maior, um problema que está na génese dos outros todos e no qual se pode encontrar a razão para um apelo ao passado. É um problema político, mais concretamente de legitimidade política.
Eu vi, como todos vimos, o debate sobre o Orçamento de Estado e vi-o pelas mesmas razões que todos os outros, aqueles que o tornaram num sucesso de audiências, o viram: pelo debate entre José Sócrates e Santana Lopes – basta olhar para este enunciado para descobrirmos um dos nossos grandes problemas: tal é o estado da nossa democracia que apenas o supérfluo e o espectacular nos cativa.
O Orçamento de Estado terá sido discutido, acredito até que com elevado sentido de Estado, mas o que passou para fora e o que realmente foi o cerne do debate não foi o Orçamento de estado. O debate, por si só, nos moldes em que se encontra, não funciona, servindo apenas o Governo no número de intervenções, no direito de resposta e na duração das próprias intervenções. É fácil de ver que ninguém do Governo tem por costume responder às perguntas directamente, aliás, podemos até dizer em género de máxima que o Ministro não responde, o Ministro diz o que tem a dizer independentemente das perguntas. Isto é assim agora e tem sido assim desde sempre. Claro que estas práticas limitam a discussão séria e não adianta criticar ou exigir respostas adequadas porque há sempre uma saída em política para não responder. Mas o que tem de ser considerado intolerável é a forma como os representantes democráticos do país discutem os problemas e as soluções do país. Gostei de ver o comentário de José Sócrates à saída do debate a dizer que não se podia reduzir a discussão do Orçamento de Estado a um confronto entre dois dirigentes políticos. Tem razão, mas o que se passou no interior, mesmo por parte do senhor Primeiro-Ministro, não teve ligação às suas palavras. José Sócrates, tal como Santana Lopes, Jerónimo de Sousa, Francisco Louça ou Paulo Portas, podem ser oradores fantásticos, mas não conseguem fugir da discussão miudinha, daquela em que tentam apanhar o interlocutor numa mentira, numa incoerência que o atrapalhe que lhe dê uma vitória política. É um futebolizar da política que a todos entristece e que é visível na discussão sobre o passado, nos ataques pessoais, na fuga para a frente, na distracção das coisas importantes e é um baixar a fasquia que todos corroboram e para o qual todos contribuem com os sorrisos serôdios, com as referências populares e com os “Ó senhor Doutor”, “Ó senhor Engenheiro”, “Olhe que não” e “Tenha calma” da praxe, repetidos até à exaustão numa sobranceria sem igual.
O regime parlamentar, assim, não funciona. É um problema que vem de há muito tempo, que envolve os círculos eleitorais, o número de deputados e até a constituição e organização dos partidos, mas é um problema que tem de ser resolvido e tratado quanto antes, para não corrermos o risco de decredibilizar todo o sistema democrático. Todos nós sabemos que as verdadeiras decisões não são tomadas no hemiciclo, todos nós sabemos de antemão o que vai acontecer nas votações, porque as decisões são tomadas em blocos partidários e representam directivas partidárias, ignorando o princípio da representatividade dos deputados, restando um papel teatral ao Parlamento – claro que é redutor dizer isto, mas no limite não andará muito longe – e isto não pode acontecer, porque se perguntarmos a alguém se se sente representado no Parlamento duvido que alguém responda que sim.
Tudo isto para dizer que, tal como num dos meus livros de História – acho que o do 9º ano –, que refere a parte inicial do séc. XX como o período de enfraquecimento das democracias e o surgimento dos nacionalismos exacerbados, também agora corremos o risco de falhar como democratas, abrindo espaço às ideologias nacionalistas. Não digo que corramos o risco de ter um novo Salazar, não penso que seja o caso, mas não é um bom indicador aquilo que os senhores no café e muita gente igual a eles pensam, pois sem serem fascistas, têm uma ideia melhor de um país governado por um Regime autoritário.
O que temos a fazer é protestar, exigir até que o protesto e as manifestações sejam vistos como instrumentos democráticos de análise das vontades e recusar o autismo dos governantes. Partilhar uma ideia, seja de que forma for, não pode ser visto como um atentado ao poder e seria bom se os dirigentes, sempre que deparados com um grupo de pessoas em manifestação, exigissem um representante que falasse consigo e que, juntos, pudessem esclarecer dúvidas e medidas a tomar. Resta-me sonhar. Até lá, aposto que a abstenção vai subir a níveis nunca vistos e que a insatisfação dos portugueses a vai acompanhar, porque enquanto os políticos se preocuparem apenas com carreiras, com sucesso e solvência financeira a longo prazo e não com o bem do país ninguém os acompanhará, pois, como Abraham Lincoln disse: “Pode-se enganar todas as pessoas por algum tempo, e algumas pessoas durante todo o tempo, mas não se pode enganar todo o mundo por todo o tempo.”
(João freire)
Trilho dos Três Rios - Albergaria-a-Velha
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O Trilho dos Três Rios (PR2 ALB), no concelho de Albergaria-a-Velha, é bem
capaz de ser um dos melhores percursos do país devido ao seu enquadramento
nat...
10 comentários:
Vai por mim...tens jeito para a coisa:)
até os assuntos mais aborrecidos...politica...tu consegues através das palavras agarrar-nos à leitura completa do artigo.
continua...
Pura demagogia
:D
Quem? Eu ou a Betularya? Eu? Ou eles?
Pois, todos... eu tb!
Eu sempre pensei que com as movimentações de grupo terroristas, ultra-nacionalistas e trafiquistas (de droga) que há no país, por esta altura já teriam tomado conta disto. Ou então já tomaram e deixam os gay pedólifos à frente das câmaras para não dar nas vistas. Não sei. Sei é que Portugal vai tornar-se numa Matrix financeira em que nos alimentamos todos em grandes superfícies, entretidos com a TVI e as casas Pia e os Apitos, e pagamos e aceitamos como um cão domesticado. Com medo do dono.
É um facto, tenho de concordar com ipsis verbis, pura demagogia. De todos! ;)
Segundo me lembro, é do Livro de História do 12º que se fala daquilo... mas já se passaram uns anos, por isso posso estar errada.
Aqui está um texto que eu podia ter escrito (lol), de forma um pouco mais agressiva. És demasiado simpático com as palavras. Pelo menos és do Benfica...
Bem, fora de brincadeira, gostei!
(tenho de comentar o texto sobre os gatos mas vai demorar)
Beijinhos
A simpatia tem de se demonstrar, no sentido de que as pessoas erram, mas são apenas pessoas. Temos de ter simpatia pelas limitações das pessoas e pelos mecanismos em que se inserem. De certeza que alguns tentarão fazer o seu melhor, mas apesar das limitações inerentes ao seu atraso ou avanço mental, há as limitações das leis, da sociedade, do dinheiro, das práticas... do sistema que está acima deles e que não os deixa fazer melhor!
Alguns não querem, outros não podem, outros não sabem!
"A simpatia tem de se demonstrar, no sentido de que as pessoas erram, mas são apenas pessoas. Temos de ter simpatia pelas limitações das pessoas e pelos mecanismos em que se inserem. De certeza que alguns tentarão fazer o seu melhor, mas apesar das limitações inerentes ao seu atraso ou avanço mental, há as limitações das leis, da sociedade, do dinheiro, das práticas... do sistema que está acima deles e que não os deixa fazer melhor!
Alguns não querem, outros não podem, outros não sabem!"
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ganhas tu! um olho negro para mim!
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