26/02/2008

Globalização dos sonhos

Hoje é dia de blogue. Apenas porque sim. Não há livro de regras que o indique nem uma vontade inultrapassável de escrever que a isso obrigue. Mas é. Tinha até dois ou três textos para a selecção final e já ia escolher o vencedor, o menos mau, portanto. Mas antes fui ver alguns blogues. Blogues de amigos, blogues de conhecidos, blogues em geral e não gostei do que vi. Já não tinha gostado de ver em Braga a cara de outros amigos e conhecidos. Não que sejam feios. Todos os meus amigos são bonitos e as amigas então, nem se fala. Mas não gostei porque vi neles a cara da desilusão. Por uma razão ou outra, grande parte das pessoas do país está a atravessar uma depressão. Eu preocupo-me mais com aqueles que conheço, claro, mas, de certa forma, penso: Porque é que isto acontece em tão larga escala? Será certamente um produto das condições estruturais do país, a famigerada crise social que já vem sendo falada há anos e que ao que tudo indica está prestes a rebentar com o empurrão da depressão económica que se instalou este ano por todo o mundo, e que se sente mais devido à falência das instituições, com a política à cabeça, e todas essas tretas políticas que interessam, mas que não interessam agora, mas é também o resultado da globalização dos sonhos. E o que é isto da globalização dos sonhos? Bem, Marx dizia que numa sociedade capitalista tudo é mercantilizado, pois então, numa sociedade capitalista globalizada tudo é mercantilizado em todo o lado. A globalização aumentou o nível médio de vida de todos os povos, permitindo o acesso a produtos mais baratos, a melhores infra-estruturas e meios de comunicação. Isto é inegável. Mas, ao proporcionar este aumento do nível de vida das pessoas, começou a imiscuir-se na regulação dos sentimentos. O ser humano dos finais do século XX e início do século XXI é um ser humano livre, cheio de potencial a quem é dito que pode aspirar a tudo. Mas será que isto é possível. Poderemos aspirar todos a tudo? E quão livres seremos? Aquilo que eu sou não é tanto aquilo em que eu me tornei, pela educação nos seus trâmites familiares, escolares, de pares e sociais, mas aquilo que me é dito para ser. Este processo começa na infância e segue-nos até á morte, chegamos ao ridículo de pagar para nascer, para viver e até para morrer, como dizia o Agostinho da Silva. Quantos de nós não obrigaram os pais, através de chantagem emocional, a comprar umas sapatilhas de marca ou um brinquedo de última geração? É a publicidade, mas é toda uma cultura de sonhos que nos orienta para o sucesso e nos confronta com o fracasso. Como é que alguém pode ter interesse na rapariga da porta ao lado quando é confrontado na televisão, no cinema, na Internet, no que quer que seja, com a Elena Anaya? O cinema, a televisão, os livros, as revistas, o próprio contacto com outras realidades mostra-nos que em qualquer lado do Mundo há alguém melhor do que nós, alguém que tem a vida que nós merecemos. Há sempre alguém que tem a sorte de ter a namorada que queremos para nós, há sempre alguém que tem a sorte de ter um emprego a fazer aquilo que mais gosta e, como esses ‘alguéns’, outros com a sorte de ter saúde, dinheiro, amor, amigos, toda e qualquer categoria de análise que possa aparecer no horóscopo semanal de qualquer revista social, e a felicidade! Sempre a felicidade. Somos confrontados diariamente com histórias de sucesso e pensamos: porque não eu? Na realidade não há resposta. O facto é que não há razão e que todos nós devemos aspirar mesmo a uma vida melhor e a procurar a felicidade. É certo que nem todos a encontraremos, é certo que alguns vão ficar pelo caminho, racionalizando que até aprenderam com o fracasso, mas entre depressões, suicídios, cedências e compromissos, alguns vão escapar. A felicidade é um risco, mas um risco que vale a pena correr.

P.S. – E para os amigos de Braga, sempre há-de haver tempo para um sábado no bar do Theatro Circo e no B.A. (Desde que nos deixem entrar e que me deixem dançar)

(João Freire)

Reaproveitado para o desafio de Novembro da Fábrica de Letras, subordinado ao tema "Sonhos".

5 comentários:

ipsis verbis disse...

:)

OlhaRes IndisCretos disse...

Felizmente que podemos sempre estabelecer comparações e ver que há sempre um melhor que podemos querer alcançar...
Agora, eu, que vivo em Bagueixe (aldeia de Macedo de Cavaleiros) não posso esperar casar com o Brad Pitt. 1º porque ele já é casado; 2º porque ele não sabe que existe a dita cuja, quanto mais eu!!!
À ambição devemos juntar um pouco de bom senso também e.... juízo, isso!

Frozen

Johnny disse...

Exactamente, Frozen. Para haver desilusão, tristeza, descontentamento, depressão, etc. é preciso haver uma ilusão, uma meta, alcançavel ou não, que é frustrada. Se formos sensatos... não estabelecemos metas! A solução é essa. Ambicionar ser feliz, mas viver o dia-a-dia sem preocupações com sonhos ou metas.
Hoje já disse isto a outra pessoa e repito. Chego à conclusão que o melhor da vida - e o pior - chegam até nós quando não estamos à espera. A solução para a vida não é andar à procura da felicidade em tudo o que mexe ou que nos rodeia, mas estarmos disponíveis para receber o que a vida nos dá ou o que vamos conseguindo... naturalmente, sem pressões, sem obsessões e - o mais importante - sem metas.

OlhaRes IndisCretos disse...

Acho q devemos pensar ao contrário senão não valeria a pena sonharmos, tentarmos e pensarmos que muitas das vezes o não está sempre garantido, porém o sim também é possível.
Para haver ilusão não precisa haver necessariamente desilusão, pelo menos nem sempre...
Estarmos disponíveis para receber o que a vida nos dá, é também fazer algumas coisas para que isso aconteça, muito provavelmente se eu ficasse à espera que a vida em trouxesse uma universidade à terrinha, nunca teria saído daqui... A questão também passa pelo que fazemos do que a vida muitas vezes nos dá!

Frozen

Johnny disse...

Ora bem. Claro que fui mal-entendido. Aliás, só por ter sido mal-entendido, é que alguém não concorda comigo. Querida Frozen (mais condescendente do que isto não há, mas é a brincar), é claro que não devemos ficar à espera que nos caia tudo do céu, tal como aquele da anedota não devia dizer ao senhor da jangada que estava à espera da ajuda divina para o salvar das cheias. Não é marasmo, é pragmatismo, procurar com critério. A vida é feita de escolhas, mas não devemos andar ao sabor do vento a perseguir - no meu caso - qualquer sonho que tenha pernas. Só digo, tal como tu disseste no primeiro comentário, que é preciso bom-senso. Os sonhos são precisos, mas temos de ter em conta que são sonhos. Devemos persegui-los? Sim, mas não cegamente. um dos meus maiores sonhos sempre foi o de voar e por mais que eu me atire de um penhasco, nunca consigo voar mais do que três ou quatro segundos, leia-se cair. Só peço mais critério e menos fuga para os sonhos, para aquilo que está longe, porque senão podemos perder aquilo que está perto, podemos desleixar aqueles que nos rodeiam... podemos, enfim, deixar de viver. O facto de teres ido para a Universidade não é um sonho, é viveres a vida da forma que achas melhor... de sentires que precisavas. um sonho é pensar em cavaleiros andantes que te hão-de resgatar do marasmo, é pensares que te vai sair a lotaria... um sonho é uma saída fácil, é um fim sem o meio e eu só digo que temos de nos concentrar no processo, no meio, para um dia quem sabe podermos atingir o sonho. OSentido da vida não se descobre a olhar para a frente, mas sim quando olharmos para trás. Só quando estiveres lá é que vais pensar que afinal tudo aconteceu por uma razão. Até lá, temos de nos concentrar em ser o melhor possível para nós mesmos e educarmo-nos, desenvolvermo-nos, melhorar-mo-nos como pessoas, melhorar os que nos rordeia e melhorar o mundo pouco-a-pouco... sensatamente.