È quase como adormecer.
As reacções químicas começam a diminuir e aquela ideia de existirmos, a ideia de nós, de um passado que recordamos, desvanece numa nuvem de consciência e nada.
Durante este processo, o cérebro apenas recebe alguns fluxos intermitentes de sangue e oxigénio, que causam uma desorganização nas ligações entre os neurónios – as sinapses. Estas explosões eléctricas causam um sobressalto de imagens armazenadas nos confins do nosso cérebro – na maior parte são memórias positivas da infância, da juventude, da família e dos amigos, momentos marcantes no geral que variam de pessoa para pessoa.
Ao mesmo tempo o metabolismo abranda, ficamos com uma sensação de bem-estar, algum calor e, obviamente, sono, pois, já com o organismo a parar de funcionar, seja pela falta de sangue e oxigénio bombeado, ou pela falência de um órgão importante, que leva os outros órgãos a compensarem a sua falta, a capacidade cerebral fica severamente afectada e diminuída, levando o cérebro a reproduzir o funcionamento dos mecanismo do sono de forma a causar o mínimo stress no resto do corpo. No entanto, essa mesma compensação é inútil em casos terminais, servindo o propósito do alívio da dor, como quando desmaiamos após uma pancada ou algo do género, mas não impedindo a falência múltipla dos órgãos. Podem ser os pulmões a falhar, levando a que o oxigénio, matéria-prima do funcionamento do corpo humano, retroceda, seguindo-se os rins e o fígado, causando uma intoxicação da corrente sanguínea, depois os músculos, que relaxam, causando imobilidade e ocasional defecação, mas os últimos, os mais importantes e que efectivam a morte, são sempre o coração e o cérebro, que acompanham a consciência de existência na sua caminhada final. Da perspectiva dessa consciência, ou melhor, da auto-consciência, apenas uma sensação de alívio, algumas memórias, que surgem nesta fase final sem nenhuma ligação causal, podendo ser imagens do nascimento da filha, de um momento de felicidade extrema ou de uma coisa banal como uma casca de banana que vimos à entrada do hospital; também dor, uma dor residual, que mal se sente devido ao mau funcionamento dos nervos e da sua compreensão por parte do cérebro, e a gradual falta de visão, já sem qualquer ligação psicossomática entre os olhos e o cérebro, que vai tornando o espectro de visão mais focalizado nos estímulos mais fortes como uma luz – normalmente a luz dos hospitais é muito forte –, a cara de alguém conhecido, a imagem de outra coisa qualquer, ou ainda sensações mais básicas, como as que são experimentadas pelos bebés: cores vivas. Mas tudo resquícios do funcionamento eléctrico e químico do cérebro e dos seus neurónios. Depois, nada. É quase como adormecer, mas dormimos, não sonhamos e perdemos qualquer forma de consciência. Ah! E não acordamos.
(João Freire)
26/12/2007
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1 comentário:
Às vezes, andamos adormecidos e não vemos o que nos rodeia. Não observamos. A essência das pessoas é muito mais do que o que está à vista. Temos os sentidos desligados...
Um bar... não há melhor local para observar. *
Obrigada pelos comentários. Obrigada pelos incentivos.
Beijinhos
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