19/06/2009

Cuba



Um dos melhores e, ao mesmo tempo, frustrantes aspectos das viagens que vou fazendo por sítios tão exóticos desse mundo... como Braga, Lisboa, Caldas da Rainha ou Montemor-o-velho, é a descoberta de que onde quer que esteja, independentemente do país, da sua língua ou cultura, tudo é mais ou menos igual naquilo que é a essência dos povos, do bom ao mau, nas pessoas e nos locais, acabando eu por estar lá, nesses sítios, da mesma forma que estou em Portugal, pensando lá nas mesmas coisas que penso quando estou cá, como, por exemplo, na constatação da minha recém-descoberta calvice. Há diferenças certamente e são essas que nos captam a atenção, mas é percebendo essas diferenças ténues entre povos que entendemos a humanidade e a força do que nos une a todos enquanto raça. Há coisas que não mudam e que são iguais em todo o mundo.

Tudo o resto faz parte de uma conta elaborada que fazemos com nós mesmos. Há o positivo e o negativo e é a diferença entre essas parcelas que ditará se a viagem foi boa ou não. Isto é verdade para uma viagem a Cuba como o é para a viagem que é a vida.

Em Cuba há muita coisa positiva, desde logo o povo, que é sempre prestável e simpático, mas também o clima e as praias, a fruta e as bebidas típicas, os carros antigos que populam as cidades, a arquitectura colonial e do período pós-revolucionário e até a imagem panfletária da liberdade de Marti, nas pinturas que invadem as paredes, com Cienfuegos, Guevara e Castro a despontar, uma imagem que, apesar de anacrónica, acaba por nos tocar. Nisto tudo, Cuba é cor e é ritmo, e essa é a marca cubana caribenha que tem a sua epítome na capital, Havana. Mas há também o lado negativo, desde a decadência de um sistema político que força a pedinchice na forma dos ginetero(a)s, eternos negociantes de tudo, que perseguem os turistas em troco de uma moeda ou duas (sem que haja insegurança - virtudes de um regime militarista -, nem tão pouco antipatia), vivendo em casas degradas que não são completamente suas, comendo o que a restrição de alimentos não proíbe, conduzindo carros que mantêm a todo o custo e que, inevitavelmente, acabam por não ser completamente seus, sendo utilizados como táxis sobre os quais, como em tudo o resto no ainda país de Fidel, acabam por incidir impostos estatais que impossibilitam qualquer prosperidade individual.

Os cubanos não se queixam, adaptam-se, permitindo-se ao luxo de se orgulharem do seu país perante o mundo (contributo da repressão americana, que instila a rivalidade nos dois povos e que é bem visível por toda a ilha, em especial no jogo de crianças que todos os dias se desenrola no ecrã da casa de interesses norte-americana, bem perto do famoso Hotel Nacional, onde surgem mensagens contra o regime, de pronto respondidas, de forma igualmente infantil, pelo astear das dezenas de bandeiras revolucionárias cubanas que a todo o custo tentam tapar as letras escritas a vermelho que vão passando do outro lado do arame farpado). Talvez - sem essa petulância americana e orgulho saloio por parte do governo cubano - não existisse tal antagonismo que impede o diálogo e a harmonia. Mas desenganem-se os que confundem orgulho pela noção de um país e o conformismo. Os cubanos não aceitam tudo e há um sentimento de frustração bem presente, nomeadamente no que diz respeito à castração das liberdades mais básicas, e que invade grande parte da população, mas cabe-lhes a eles, os cubanos - e é isso que os americanos, desde Kissinger, não entendem -, decidir e agir sobre o seu futuro enquanto povo.

Historicamente, os cubanos já provaram que têm capacidade para sonhar e actuar em conformidade com os seus desejos de liberdade
, foi isso que Fidel, Raul, Che, entre outros camaradas fizeram quando partiram do México a bordo do Granma (em exposição no Museu da Revolução ao lado dos destroços de aviões americanos abatidos aquando da tentativa de invasão naquela que ficou conhecida pela invasão da Baía dos Porcos) em direcção a cuba, mas fazer a revolta é substancialmente diferente de governar e essa lição já está bem aprendida pelo povo cubano.

Se a viagem foi boa? Claro que foi bom, mas (o maldito mas), apesar de tudo, há um sentimento que está sempre presente: o sentimento de estarmos a ajudar a perpetuar o estado das coisas.


(João Freire)

7 comentários:

Ginger disse...

Mas o que pode cada um, enquanto individuo singular, fazer?? =|

A revolução tem de partir do próprio povo... é lixado, mas é a verdade. =\


*

Ginger disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Johnny disse...

Cada um só pode fazer o melhor que pode... é pouco, mas não se pode exigir mais. Tentarmos ser melhores, tentarmos fazer algo, o que seja, pelos outros, e estarmos de consciência tranquila com tudo o que fazemos. Talvez isto seja inócuo ou lamechas ou qualquer coisa assim, mas não se pode pedir muito mais.

Por entre o luar disse...

Eu não ia comentar o texto =)
mas... corrija isto se faz favor..
.."e é essa é a marca cubana "

beijinhoO

Johnny disse...

Desculpa lá, mas eu não estou a ver onde isso está escrito. Deves ter lido mal.




... estou a brincar. Obrigado.

ipsis verbis disse...

caldas da rainha é sem dúvida exótica, com todo o seu micro-clima... quanto à constatação da tua calvície, (há quem lhe chame entradas) não sei o que dizer.

o texto está sobretudo, introspectivo, and i like it.

Johnny disse...

Era isto que eu ansiava: "quanto à constatação da tua calvície, (há quem lhe chame entradas) não sei o que dizer." Alguém que minimizasse a minha dor, mas veio tarde e em pouca quantidade esta panaceia fraterna, o que me leva a assumir que é verdade, e que a maior parte das pessoas que vêm aqui (porque não o mundo?) acha que é verdade, que vou ficar careca...

... A tragédia!