Talvez seja necessário bater no fundo quando se está a chegar ao fundo. O fundo pode ser um catalisador de uma recuperação em grande. Há qualquer coisa de reconfortante na constatação de que nada pode ficar pior do que está e isso alarga os nossos horizontes. Só quando sacudimos o pó e olhamos à volta é que tomamos o assunto nas nossas mãos e fazemos alguma coisa para sair do buraco onde nos metemos, procurando as melhores possibilidades, arranjando soluções, descobrindo caminhos e atalhos que nos levem de novo ao cimo e à luz. Muita gente é ajudada quando está à beira do fundo e nunca chega a esse fundo regenerador, na realidade, cada vez é mais difícil bater no fundo, porque numa sociedade tão bem inter-ligada através de meios de assistência e comunicação omnipresentes, qualquer pessoa que não nos conhece para além do que superficialmente mostramos através de letras e imagens num ecrã está disposta para uma palavra de ânimo, para uma mãozinha que nos segura e apoia antes de cairmos. A pena, a caridade influem negativamente nas pessoas na medida em que as acomodam à vida que levam, habituando-as a uma sobrevivência pacífica na dependência, à estagnação na miséria, a deixarem-se estar. Mas a revolta é precisa, a indignação é precisa e estarmos fartos de algo é o primeiro passo para mudarmos. Muita gente emigrou, acabou relações, despediu-se do emprego, deixou algum vício [ou até entrou em incumprimento, se levarmos a coisa para a escala macro-económica. Avé Islândia], porque não havia outra solução, seja porque foram encostados à parede por familiares ou amigos, por uma condição médica, o que seja! Ou até simplesmente porque interiormente essa situação atingiu níveis de insustentabilidade insuportáveis.
Às vezes o nosso caminho passa por buracos, uns mais fundos outros menos, mas só atravessando esses buracos nós mesmos podemos seguir em frente.
Alice In CHains - Down in a Hole
Reaproveitado para o desafio de Janeiro da
Fábrica de Letras, subordinado ao tema "
Metamorfose"
*A citação foi ouvida e vista no programa No Resevations de Anthony Bourdain. O Google diz-me que o seu autor é Raymond Chandler. Numa tradução livre, quererá dizer algo como "ia para sacudir alguma coisa da minha face e era o chão."