Ela, Linda Riss, era bonita e inteligente, ele, Burton Pugash, era advogado, conhecia muita gente famosa e até tinha um avião. Apaixonaram-se e viveram momentos fantásticos. Depois Linda descobriu que Burt – era assim que ela o tratava –, para além de tudo o resto, era também casado com Francine Rifkin. Ele pediu-lhe desculpa, disse até que ia divorciar-se e tempos depois mostrou-lhe o papel que comprovava o fim do casamento. Ela aceitou-o de volta, não deixando no entanto de desconfiar, o que a fez retirar o número do documento a fim de confirmar o tal desfecho matrimonial. Em boa hora tomou essa decisão, descobrindo que o documento havia sido falsificado. As mentiras acumulavam-se. Mais ou menos por essa altura, Linda recebe um telefonema de Francine que lhe diz que sabe de tudo o que o marido faz mas que não se importa e que nunca lhe há-de dar o divórcio. Linda não aguenta mais e afasta-se para a Florida, onde começa uma relação com um elegante jovem, Larry Schwartz, que a faz esquecer do seu passado turbulento. Mas Burt não descansa, continuando a mandar mensagens para Linda de teor diverso, ora narrando o seu amor incondicional ou ameaçando-a de morte. Burt era assim, diriam alguns, afinal, tinha sido ele a levar Lisa a um médico para comprovar se ela ainda seria, como lhe afirmava, virgem. Era. E foi este homem insano que Lisa e Larry encontraram à sua espera no alpendre de casa dos pais de Lisa. Diz o próprio Burt que nesse dia tinha uma pistola no bolso e que tinha ido ter com eles para os matar. Valeu-lhes, nesse caso, a sua fraqueza. No entanto, algum tempo depois, uma semana antes, mais ou menos, antes do casamento de Linda e Larry, batem à porta anunciando uma encomenda para a Lisa. Ela atende, sob o olhar de sua mãe que está atrás dela, abrindo a porta antes de esticar o cabelo num nó francês.
“If I can't have you, no one else will have you, and when I get through with you, no one else will want you."
Foram estas as palavras, não do tal homem fraco, mas de alguém que ele contratou para fazer o serviço: atirar soda cáustica na cara de Lisa.
A vista de Lisa ficou danificada irremediavelmente, a sua cara desfigurada e Burt acabou por ser preso.
Lisa afirmou que ele devia morrer pelo que fez.
O casamento ainda se manteve, mas Larry, sem capacidade para lidar financeira, emocional e fisicamente com o sucedido, desistiu, deixando-a.
Lisa tentou lidar com a dor, forçando-se a viver, continuando a trabalhar e a recuperar milagrosamente. A sua figura manteve-se impecável, não obstante os olhos deformados e erradamente coloridos, daí os óculos escuros que ainda usa ininterruptamente. Viajou pela Europa, conheceu pessoas, tudo o que uma pessoa pode desejar. Eram, apesar de tudo, tempos bons. Houve até uma vez que se aproximou de alguém, mas esse alguém não resistiu a vê-la com os óculos claros, que mostravam os seus olhos (dizia uma amiga que era o teste que ela tinha de fazer). Começou aí o declínio emocional de Lisa.
Sem conseguir encontrar o amor, vê-se de seguida sem emprego e uma mulher que suportara tanto na sua vida parecia agora começar a afundar-se nela.
Burt, por seu lado, na prisão, continuava a mandar cartas para Lisa, chegando ao ponto de cortar os pulsos, afirmando em voz alta, como um louco que a amava, no intuito que essa notícia chegasse até ela. Um dia até teve uma resposta de Lisa, que em jeito de provocação lhe respondeu que se gostava tanto dela que lhe mandasse dinheiro. Ele mandou, aliás, mais do que uma vez, e esse gesto garantiu-lhe, após 14 anos de cárcere, um parecer favorável de liberdade condicional. Saído da prisão, tornou-se uma vedeta, cedendo entrevista após entrevista, na televisão ou na rádio, aproveitando sempre que pode para pedir Lisa em casamento, ao mesmo tempo que os seus amigos falam com Lisa, convencendo-a a encontrar-se com Burt. Eventualmente, ela cede.
Lisa ainda era virgem. Pouco tempo depois estavam casados.
Podia ser aqui o fim, mas a história não acaba assim. Pouco tempo após o casamento com Burt, Lisa perdeu totalmente a visão numa operação ao coração e Burt, o eterno mulherengo, voltou a enganar a sua mulher (desta vez, a própria Lisa), com Evangeline, era esse o seu nome, que mais tarde acusaria Burt de a ameaçar e de ter contratado alguém para a matar! Lisa, no entanto, e contra todas as probabilidades, manteve-se ao lado do seu marido, surgindo em tribunal com uma mala que continha cinquenta mil dólares para o pagamento da fiança. E viveram felizes… e viveram!
Diz ela que o maior castigo que ele pode receber é ser obrigado a viver com ela. Ele diz que há mais ou menos dez anos que não faz nada de mal. Ele tem 82 anos e parece um avô simpático. Ela tem 72 anos e parece uma professora dos tempos antigos, com uns óculos pitorescos e um cigarro longo e fino.
De que falamos quando falamos de amor?
(João Freire)
Beth Orton - I Wiah I Never Saw The Sunshine
P.S. - Post baseado no documentário Crazy Love, cuja banda sonora contém o tema em cima reproduzido.
Para o tema de Março de 2011, subordinado ao tema da Violência, num desafio da "Fábrica de Letras".